Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


17-08-2018

Orientalista: CUNHA, José Gerson da (1844, Arporá, Goa – 1900, Bombaim)


"resgatar a memória de todos os que contribuíram para o fomento de Estudos Orientais e a divulgação de conhecimentos sobre vários Orientes no espaço lusófono "

José Gerson da Cunha

CUNHA, José Gerson da (1844, Arporá, Goa – 1900, Bombaim), médico, historiador, coleccionador, numismata, viajante, orientalista.

45José Gerson da Cunha, 1878. Retrato fotográfico em formato carte-de-visite, Estúdio Fotográfico de Lorenzo Suscipj, Roma.

Gerson da Cunha, oriundo de uma família católica de origem brâmane, cursou medicina, primeiro em Bombaim (1862), e depois em Edimburgo e em Londres (1867) onde se especializou em obstetrícia.

Filho de Francisco Caetano da Cunha e de D. Leopoldina Maria Gonçalves, descendente duma antiga família de brâmanes estabelecida naquela cidade nos primeiros tempos do domínio português.

Entre a medicina e a história, entre a profissão e a vocação, Gerson da Cunha tenderá cada vez mais para esta última e, a partir da década de 1870 enveredou consistentemente pela escrita e pela investigação, investindo nos seus interesses pela história, arqueologia, filologia, etnografia e numismática, muito embora continuasse a exercer medicina e interessar-se pelos desenvolvimentos científicos nesse domínio. Foi neste período que publicou então, entre outros, relatos de viagens: “Exposição Universal de Paris (Impressões e belezas). Fragmento da Minha Viagem pelo Egypto, França, Inglaterra e Escoçia” (1867); “Recordações da minha viagem pelo Egypto, França, Inglaterra e Escossia” (1873).

Um dos principais objectivos de Gerson da Cunha enquanto historiador, todavia, era o de escrever a história dos Portugueses na Índia através de uma abordagem multidisciplinar, servindo-se de fontes documentais, linguísticas e de cultura material, pertencentes a bibliotecas e arquivos geograficamente muito diversos. Enquanto colecionador, também fazia uso dos seus livros, manuscritos, objectos e moedas que foi acumulando ao longo da vida. Publicou sucessivamente: “An Historical and Archaeological Sketch of the Island of Angediva” (1875) e “Notes on the History and Antiquities of Chaul” (1876). Escreveu ainda sobre Baçaim, Notes on the History and Antiquities of Chaul and BasseinIllustrated with Seventeen photographs, nine lithographic plates and a map e Bombaim, iniciando o seu labor com “Words and Places in and about Bombay” (1874) e que culminou com The Origins of Bombay (1900), publicado já postumamente. O interesse pela numismática, uma outra fonte histórica, levou-o a publicar “Contributions to the Study of Indo-Portuguese Numismatics (Part First and Part Second)” em 1880 e “Contributions to the Study of Indo-Portuguese Numismatics (Part 3rd), em 1883.. O conjunto desses estudos foi traduzido em Português: Contribuições para o estudo da numismática indo-portuguesa. (1955)

Deu a conhecer os seus interesses orientalistas com “Contributions to the Study of Avestaic and Vedic Analogies” (1878), apresentada na prestigiada instituição Bombay Branch of the Royal Asiatic Society, mas a sua verdadeira estreia como Orientalista no âmbito internacional ocorreu por ocasião do IV Congresso Internacional dos Orientalistas (1878), em Florença, no qual apresentou uma contribuição sobre o estudo do Sânscrito e da cultura Hindu entre os Portugueses, publicado nas Actas do mesmo: “Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese” (1880).. Participou ainda no XII Congresso Internacional dos Orientalistas (1889), em Roma.

No trabalho apresentado em Florença no Congresso de 1878, Gerson da Cunha questiona a ignorância generalizada, tanto em Portugal como no estrangeiro, do pioneirismo de Estudos Orientais praticados por Portugueses nos séculos XVI e XVII, que ele atribui ao desconhecimento da língua portuguesa na qual foram escritos esses primeiros contributos e ainda ao facto de serem praticados no meio eclesiástico com o intuito de missionação. Face à pujança de Estudos Orientais que presenciou na Índia Britânica, Gerson da Cunha atribuiu aquele Orientalismo português dos primórdios o papel fundador na genealogia de Estudos Orientais, da qual ele próprio se considerava um herdeiro.

A sua singularidade de Orientalista “oriental” manifestou-se duplamente pelo conhecimento de várias línguas indianas e europeias e pelo conhecimento de diferentes historiografias, o que contribuiu para o cosmopolitismo da sua produção intelectual, patente nos temas abordados, como por exemplo: Memoir of the History of the Tooth-Relic of Ceylon with a preliminary essay on the life and system of Gautama Buddha (1875 e, numa tradução em Francês, em 1885); The Konkani Language and Literature (1881).

Foi sócio de diversas agremiações científicas, entre elas, a Bombay Branch da Royal Asiatic Society of Bombay, onde chegou a ser vice-presidente, e a Anthropological Society of Bombay que lhe estava associada, ou a Zoological and Botanical Society of Vienna. Muito embora tivesse sido também membro da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Academia das Ciências de Lisboa, as suas relações com Portugal parecem ter sido pouco mais do que honoríficas, contribuindo para a invisibilidade de Gerson da Cunha no contexto erudito português da época.

Da relação amistosa com o indianista italiano Angelo de Gubernatis resultou uma copiosa correspondência em Português, actualmente no acervo da secção de manuscritos da Biblioteca Nacional de Florença. É muito provável que Gerson da Cunha mantivesse contactos epistolares com vários outros orientalistas fazendo parte de uma rede global de homens que produziam conhecimento sobre a Índia. No entanto o facto de se desconhecer o paradeiro ou sequer a existência do seu arquivo pessoal faz com que apenas possamos conhecer as suas cartas existentes nos arquivos daqueles com quem se correspondeu, nomeadamente Angelo de Gubernatis e o antropólogo italiano Paolo de Mantegazza, existentes no arquivo do Museo de Antropologia, em Florença.

Foi casado com Ana Rita da Gama (1858-1921), filha de um ilustre médico de Goa, e teve três filhos: Olívia realizou estudos artísticos em Florença, enquanto Gilberto e Emelina estudaram e exerceram medicina como o pai.

FLV

Bibl.: CUSATI. (2000); MORAES, G. M. (1967), pp. 1-50; VICENTE, F. L. (2012 a), pp. 603-636; Idem (2012 b), pp. 133-151; Idem (2012 c), pp. 603-636; Idem (2010 a), pp. 128-136; Idem (2010 b), pp. 11-37; Idem (2010 c), pp. 27-46.

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