Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


08-07-2019

Produção da cerâmica do açúcar em Aveiro pode explicar origem dos Ovos Moles


Investigação prossegue no âmbito da unidade Geobiotec

Produção da cerâmica do açúcar em Aveiro pode explicar origem dos Ovos Moles

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peças recolhidas na Ria de Aveiro

27.1.2014

 

Aveiro descobre parte da sua importância histórica como antiga capital da produção de cerâmica do açúcar, de acordo com uma investigação em curso na Universidade de Aveiro (UA), desempenhando um papel crucial nas rotas comerciais do açúcar que não se cingiam às trocas entre a capital do reino e as colónias. Mais curioso ainda, a descoberta pode ajudar a explicar a origem do tão apreciado doce Ovos Moles, caraterístico de Aveiro.

Os dados históricos revelados recentemente apontam para uma importante produção cerâmica em Aveiro e intensas trocas comerciais associadas à cerâmica do açúcar, ou às chamadas formas pão de açúcar, que terão precedido o desenvolvimento da indústria cerâmica na região em épocas posteriores. A investigação em curso na UA revela um importante centro produtor deste tipo de cerâmica em Aveiro, durante vários séculos, ainda antes do século XVI, havendo nesse período também produção no Barreiro e vestígios na zona da Lourinhã.

No século XVI o centro de produção do Barreiro terá deixado de produzir e, desde então, até à independência do Brasil, nos inícios do século XIX, Aveiro terá mesmo sido único centro produtor deste tipo de cerâmica em Portugal. Esta produção terá proporcionado intensas trocas comerciais com os grandes centros produtores de açúcar do reino, como a Madeira, o Brasil, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe. Estranhou-se, no início, afirma o investigador Paulo Morgado, que desenvolve o estudo com Fernando Rocha, professor e diretor do Departamento de Geociências da UA, o registo de importantes trocas comerciais com a Inglaterra. Os investigadores, que trabalham no âmbito da unidade Geobiociências, Geoengenharias e Geotecnologias (Geobiotec), perceberam que tal aconteceu devido à determinação da coroa inglesa que obrigava a que a última fase da produção do açúcar decorresse no centro do Império Britânico.

Diga-se, a propósito, que o monte Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, foi batizado devido à semelhança com estas formas.

Paulo Morgado, engenheiro geólogo que participou em diversos estudos arqueológicos e de património, afirma que havia mesmo preferência pelas formas pão de açúcar de Aveiro que ofereciam melhor qualidade, de acordo com a correspondência da época, provavelmente devido às características químicas e mineralógicas das argilas da região, com maior teor em ferro e, provavelmente, à técnica de cozedura. Provas, no terreno, da importância desta produção não faltam, esclarece o investigador. Como não tinham outra utilidade, as peças de refugo eram usadas na construção de muros e habitações um pouco por toda a cidade, ficando aqui e ali à vista nas construções mais antigas. Por outro lado, os fundos da Ria são testemunhas desse comércio, como ficou demonstrado pelas descobertas de embarcações naufragadas em vários locais, nomeadamente perto da antiga lota.

Açúcar + gemas = Ovos Moles

O estudo arqueométrico realizado por João Baptista da Silva e Celso Gomes, investigadores do Geobiotec, sendo o último também professor do Departamento de Geociências da UA, que envolveu a comparação entre a constituição das cerâmicas do açúcar encontradas em Machico e as argilas da região Aveiro, mostrou a importância da produção nesta região. Um dos locais conhecidos pelas olarias em Aveiro antes de surgirem as fábricas, acrescenta Paulo Morgado, coincidiria com uma banda de edifícios que limita o jardim por detrás do Museu, designado Bairro das Olarias, como mostram textos do historiador Amaro Neves e peças encontradas no decurso de obras de construção.

Logo no séc. XVI, o Mosteiro de Jesus de Aveiro começa a receber açúcar proveniente da ilha da Madeira, como mostra, por exemplo, a concessão régia que o Rei D. Manuel I faz, em 31 de Outubro de 1502, de 10 arrobas anuais de açúcar dessa ilha. Sabe-se que a clara de ovo era usada para engomar a roupa das monjas nos conventos, nomeadamente nesta casa religiosa, atual Museu de Aveiro. A disponibilidade de gema, de açúcar e a já conhecida propensão para descobertas de novas especialidades em doçaria habitualmente associada aos conventos fazem supor, considera o investigador, que não terá sido difícil chegar aos Ovos Moles.

Parte destes dados foi divulgada no episódio 12 do programa televisivo “Pedras que Falam”, apresentado por João Batista da Silva e emitido na RTP Madeira e na RTP Internacional, série produzida com o apoio da UA. Entretanto, os investigadores identificaram vários tipos destas formas cerâmicas, outros locais de Aveiro onde se identificam restos desta cerâmica e será feita uma análise de um engenho do açúcar que é propriedade da Universidade de São Paulo.

Uma destas peças cerâmicas está incluída no núcleo exposto na Sala de Exposições Hélène de Beauvoir da Biblioteca da Universidade de Aveiro, no âmbito da exposição “O Museu da UA … uma coleção em crescimento”.

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