Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


08-02-2010

Lauro Moreira- A construção da lusofonia


 

A CONSTRUÇÃO DA LUSOFONIA

 

Lauro Moreira

 

 

- Dificuldade de se conceituar e definir o termo Lusofonia. O Enfoque meramente linguístico não esgota a questão. Necessidade de uma visão política, mais abrangente, mais inclusiva.

 

- O uso comum de uma língua e uma convivência de povos ao longo de séculos, formando um patrimônio histórico comum, acabou por conformar não apenas um espaço lusófono, mas sobretudo um espírito lusófono, que leva igualmente  em conta os aspectos psico-sociais.

 

-Apenas pelo enfoque linguístico não poderíamos chegar, sobretudo para os cientistas da linguagem, a um conceito correto de lusofonia. Bastaria  ver a situação da Língua Portuguesa nos países que hoje constituem a CPLP, espalhados pelos quatro Continentes. De acordo com os dados estatísticos disponíveis, temos que:

 

Cabo Verde – A língua mais utilizada é o crioulo (Kabuverdianu) e a maioria da população tem o primeiro contato com o Português aos 6, 7 anos, quando a criança começa a frequentar a escola.

 

São Tomé e Príncipe – mais de 98% da população entende o Português, enquanto o Santomé (ou Forro) é falado por 73% das pessoas. Existem ainda duas outras línguas nacionais (o lunguyé e o angolar).

 

Moçambique – Existem 43 línguas nacionais e quase 40% da população sabe falar o Português. No entanto, ele é a língua materna de apenas 6,5% dos moçambicanos, e para 9% é a língua falada com mais frequência. Como língua materna, o Português é ultrapassado por 4 línguas nacionais.

 

Angola – Há 41 línguas nacionais, como o Quimbundo falado por 20% dos angolanos, o Umbundo por 26%. O Português é a primeira língua de 30% da população.

 

Guiné-Bissau – Falam-se 21 línguas diferentes, sendo o  Crioulo a mais importante, falada por cerca de metade da população do país. Apenas uma pequena parcela de 11% da população domina e utiliza o Português.

 

Timor-Leste – Apenas 5% ou 6% do país fala o Português, que é a terceira língua, após a língua local e o tétum.

 

 

- Diante desse quadro, seria de fato tecnicamente incorreto falarmos de povos lusófonos, os desses países onde o bilinguismo e o multilinguismo estão presentes de maneira tão forte.

 

Logo, o que chamamos de lusofonia é algo que transcende à questão linguística. Podem não ser povos exclusivamente lusófonos, mas são também lusófonos, ainda que minoritariamente. Quer queira-se, quer não, há sem dúvida um espaço lusófono ocupado por esses países, e há sobretudo um espírito lusófono, gerado por uma convivência e uma miscigenação de 500 anos.  Miscigenação étnica e linguística.

 

-Esse  diálogo intercultural e inter-étnico que se estabeleceu entre descobridor e descobertos, entre colonizador e colonizados – e sem que se entre aqui em qualquer juízo de valor sobre essa colonização – acabou também fazendo da Língua uma “construção conjunta”, na expressão de José Eduardo Agualusa, onde aspectos sintáticos, fonéticos e lexicais  acusam uma grande variedade. Uma variedade que representa obviamente um enriquecimento da própria Língua Portuguesa.

 

Por isso mesmo, Mia Couto diz muito bem, parafraseando Fernando Pessoa (Bernardo Soares) que “Minha pátria é a minha língua portuguesa”.

 

-Daniel Lacerda, diretor da revista “Latitudes. Cahiers Lusophones”, publicada em Paria, escreveu recentemente algo sobre o assunto, que nos parece de grande pertinência.

 

Diz ele: “Para nós, a lusofonia é um espaço de partilha e de reagrupamento de iniciativas em busca das nossas raízes, na expressão da nossa diferença e onde cada qual pode afirmar a sua personalidade e os seus valores. Manifesta-se na prática cultural, artística e literária, numa base de tolerância, de bom entendimento e sem preocupações de competição, em fraternidade livre e desinteressada à volta de valores artísticos e culturais. Será mais ou menos isto, tanto quanto entendemos”.

 

- Ou seja, desse patrimônio imaterial forjado a partir da experiência vivida nesse cruzamento desse triângulo Portugal-Brasil-África ao longo do tempo, emerge aquilo que chamamos hoje de lusofonia. Para melhor entender o fenómeno, pelo menos a parte de uma ótica brasileira, seria interessante examinarmos o marco histórico em que tudo isso se deu. Trata-se de fato de uma construção que teve um dia para começar, mas que não tem uma data para acabar. É algo em permanente evolução, um fenómeno in fieri. 

 

PORTUGAL-BRASIL-ÁFRICA

 

Uma conhecida marchinha carnavalesca brasileira dos anos 40 dizia que “quem inventou o Brasil foi “Seu” Cabral; foi “Seu Cabral/No dia 22 de Abril/Dois meses depois do Carnaval”. Este “Seu Cabral”, sabemos todos que foi o Almirante Pedro Álvares Cabral, nascido aqui em Belmonte e hoje enterrado em Santarém.

 

Mas que Portugal foi esse que “inventou”, que descobriu o Brasil? Foi exatamente aquela nação – o 1º Estado constituído da Europa  que se lançou a partir do século 15,  e antes de qualquer outra, na gigantesca empresa de expansão marítima, europeia que iria mudar a história e a geografia do mundo de então.

 

Mas esse país, além de vizinho da África, era também um “carrefour” de raças, etnias, religiões e culturas diversas, que conferiram ao seu povo uma inegável capacidade de conviver com o diferente, de aceitar os contrastes e transformá-los em seu favor.

 

Em uma obra publicada em 1983, intitulada “The Discoverers” – um best-seller nacional nos Estados Unidos – o historiador Daniel Boorstin traçou um interessante paralelo entre a gesta portuguesa dos Descobrimentos e a descoberta da América por Cristovão Colombo, concluindo que

 

“A maior façanha de Colombo foi algo que nem ele próprio sequer imaginara, um sub-produto de seus propósitos, uma consequência de fatos inesperados.O empreendimento português foi o produto de um claro propósito, que exigiu um completo envolvendo nacional. Aqui estava o primeiro protótipo da empresa moderna”.

 

-E pode-se dizer que esta “first modern enterprise of exploring” tem seu início efetivo em 1415, com a tomada de Ceuta, no Marrocos, por D. Henrique, o filho de D. João I, que iria se consagrar mais tarde como “O Navegador”.

 

Recolhendo-se depois ao antigo “Promontorium Sacrum” (daí a designação portuguesa de “Sagres”) o Infante ali permaneceu por 40 anos, dirigindo o seu, digamos, “Laboratório de Investigação e Desenvolvimento”, ou seja, a sua Escola de Navegação, concebendo, organizando, planejando e comandando expedições rumo ao desconhecido, mar ignoto adentro. E o mais importante não era apenas ir, mas voltar, com o relato precioso de tudo o que se havia visto e vivido.

 

Pouco a pouco e obdecendo a um rigoroso planejamento estratégico, vai-se ampliando a abertura do Atlântico pelos portugueses, até culminar, já no final do século, com a descoberta do caminha marítimo para as Índias e, em seguida, com o achamento do Brasil por Pedro Alvares Cabral.

 

- Cabral chega ao Brasil em Abril de 1.500, à frente da maior expedição marítima até então organizada por Portugal. Eram treze navios, e cerca de 1.500 homens, ou seja, quase 3% da população total de Lisboa na época. O resto, já sabemos, a partir de uma rica historiografia, inaugurada pela Carta de Pêro Vaz de Caminha, verdadeira Certidão de Batismo da nova terra. Documento de inestimável valor histórico, etnográfico, antropológico e até mesmo literário, como nos lembra um de seus maiores exegetas, o Professor Jaime Cortesão.

 

A colonização portuguesa sempre foi masculina. Era enriquecer e voltar à terra. Não havia o “animus permanendi”. Desprovidos de preconceitos, os colonizadores tratavam de se mesclar à índias e, posteriormente, às africanas, que chegavam em número crescente. Nascia então um povo profundamente mesclado, que veio a se misturar ainda mais no decorrer dos séculos seguintes, com as grandes imigrações alemã, italiana, árabe e japonesa. Mas não resta dúvida de que os mais de 4 milhões de africanos, que chegaram como escravos ao longo de mais de três séculos, constituíram a base maior da etnia brasileira. Ou seja, o Brasil é sobretudo africano, em seu sangue e em sua cultura. 

 

CICLO DO OURO

 

-Desde seus primórdios a colónia brasileira foi fundamental para a economia da Metrópole. E a partir do século 18,  Portugal passou a viver quase que exclusivamente dos produtos provenientes do Brasil, sobretudo o açúcar, o tabaco, a madeira, o ouro, os diamantes e o algodão.

 

O caso do Ouro é de fato impressionante. Em seu livro “Arquitetura e Arte no Brasil Colonial”, o inglês John Bury destaca a certa altura:

 

“No século XVIII a técnica de mineração era principalmente a da extração do ouro de aluvião; mesmo assim, “Entre 1700 e 1770 o Brasil produziu cerca de metade da quantidade de ouro obtida em todo o resto do mundo durante três séculos, 1500 a 1800”.   “A produção aumentou verticalmente desde a época das primeiras descobertas, na década de 1690, chegou ao ápice na década de 1760, e daí por diante decaiu rapidamente. Boa parte do ouro foi usada por Portugal para compensar sua balança comercial desfavorável com relação à Inglaterra, consequência do Tratado de Methuen, de 1703.”

 

- As consequências da exploração dessa riqueza foram enormes para o Brasil, para Portugal e, para a própria Inglaterra e o resto do mundo, através da Revolução Industrial, em grande parte financiada por esse ouro, retirado pelos escravos africanos das minas brasileiras. 

 

- O eixo económico e político da Colónia desloca-se para a região das minas, transferindo-se inclusive a Capital, da Bahia para o Rio de Janeiro.

 

-As chamadas cidades históricas de Minas Gerais, com seu extraordinário património artístico-cultural, testemunham ainda hoje o que foi a riqueza daqueles tempos.

 

- José Maria Lisboa, o Aleijadinho, na arquitetura e na escultura, Vasco de Ataíde na pintura, Lobo de Mesquita na música sacra, T.A.Gonzada e Cláudio Manuel da Costa na poesia  - em meio a inúmeros outros – foram figuras que marcaram de modo indelével a história cultural do Brasil, a exemplo do que já haviam feito no século anterior, a partir da Bahia, os génios de Vieira e Gregório de Matos.

 

- Nova ideias, oriundas da Revolução Americana (1776) estavam no ar.

 

-Rebelião Mineira. Tiradentes.

 

-NOVOS TEMPOS: NOVO PAÍS. A TRANSFERÊNCIA DA CORTE PARA O RIO DE JANEIRO.   

 

- Essa transferência constitui um fato decisivo nos destinos da colónia brasileira, um “turning point” na História do Brasil. É o que poderíamos chamar de 2º Descobrimento do país. Ou o seu Dês-encobrimento.

 

- O descobrimento de 1.500 deu-se apenas para Portugal, que dele se beneficiou com exclusividade por cerca de 300 anos. O de 1808 foi o descobrimento, para o mundo, de uma terra ainda encoberta – o que veio a beneficiar a todos, sobretudo o Brasil. Não foram apenas os portos que se abriram às nações amigas; escancararam-se finalmente as portas da colónia, ciosamente fechadas por três séculos, aos viajantes estrangeiros, aos estudiosos, aos comerciantes geólogos, naturalistas, aos artistas, aos aventureiros.

 

- Apesar disso, quando da chegada de D. João VI, a Colónia, além de hermeticamente fechada ao exterior, o era também em seu interior. Ou seja: proibiam-se os contatos entre os administradores das várias regiões e até a construção de estradas entre as Capitanias do vasto território, escassamente povoado.

 

-Todo o quadro mudará radicalmente ao longo dos 13 anos em que a Corte permaneceu no Rio de Janeiro. Em 16 de Dezembro de 1815, o país deixa de ser colónia e passa a integrar o Reino de Portugal, Brasil e Algarves, elevando-se o Rio de Janeiro a sede oficial da Coroa. E em 1818,com a morte de D. Maria I, D. João VI se faz coroar com toda a pompa e solenidade. 

 

- É certo que houve também, nesse período, algumas rebeliões independentistas, como a de 1817, em Pernambuco, considerada por Oliveira Lima como o 1º movimento genuinamente republicano do Brasil.

 

-Era a época em que as colónias espanholas na América se estavam tornando independentes, e todas assumindo o regime republicano.

 

1822:  A INDEPENDÊNCIA

 

SAGACIDADE DIPLOMÁTICA DE PORTUGAL – E nesse ponto caberia uma menção à extraordinária política adotada por Portugal. A habilidade diplomática já se tinha manifestado de modo evidente na negociação do Tratado de Madrid, e na própria transferência da Corte para o Rio de Janeiro. Mas nada se compara à estratégia adotada no tocante à questão da Independência do Brasil, proclamada por um Príncipe português e herdeiro da Coroa de Portugal, que conseguiu manter o regime monárquico, em meio à proliferação de repúblicas vizinhas.

 

-E a sabedoria política fez ainda com que D. Pedro I, após outorgar a Constituição do novo país independente e reinar por 9 anos, e tendo que retornar a Portugal, deixasse no Brasil o seu herdeiro, que contava apenas 5 anos de idade. Aos 14, em 1840, é coroado Imperador, - D. Pedro II – que reina por 49 anos, contribuindo decisivamente para a manutenção da paz política e para a preservação da unidade territorial do país.

 

CONCLUSÃO: nos seus cinco séculos de existência, o Brasil esteve simbioticamente ligado a Portugal por pelo menos quatrocentos anos, 316 dos quais como Colónia 6 como Reino Unido e quase 60 como país independente, sob as Coroas de Pedro I (Pedro IV de Portugal) e Pedro II. E recebeu como legado um território continental, uma língua comum e uma extraordinária capacidade de não apenas aceitar, mas de absorver o outro, o diferente.

 

BRASIL-ÁFRICA

 

O Brasil é um país multirracial, multicultural, multiétnico, com uma população hoje de 190 milhões de pessoas, com origens indígenas, europeias, africanas e asiáticas. Mas trata-se, sobretudo, de um país africano. Dos 10 milhões de escravos africanos que as Américas receberam, quase 50% foram destinados ao Brasil. Nas veias da imensa maioria da população brasileira corre também, e muito especialmente, o sangue africano. Centenas, milhares de nomes ilustres em todas as áreas do conhecimento, da arte e do esporte, e muitos milhões de brasileiros anónimos, provém de famílias do Continente africano.

 

As relações do Brasil com a África tem sido marcadas, ao longo da história, por momentos de maior ou menor densidade. Inicialmente, para melhor compreensão da dinâmica dessas relações, é preciso lembrar que Brasil e África foram colónias por séculos seguidos, formando um corpo único, e tendo Portugal como a cabeça deste corpo. O relacionamento entre essas colónias era por vezes mais intenso do que o que vigorava entre a Metrópole e algumas delas. Moçambique, Cabo Verde e Angola exemplificam bem a dinâmica dessas relações no período colonial. O intercâmbio Brasil-Angola foi especialmente intenso ao longo de trezentos anos, com o comércio baseado no tráfico de escravos, trocados por produtos como açúcar, o tabaco e a cachaça.

 

Em 1630, os holandeses ocupam a Capitania de Pernambuco. Em 1641, invadem Luanda, sendo expulsos em 1648 por uma frota brasileira comandada por Salvador Correia de Sá, ilustre descendente da família de Estácio de Sá e Mem de Sá, fundadores da cidade do Rio de Janeiro.

 

André Vidal de Negreiros, herói de nossa guerra contra os holandeses, foi Governador de Luanda. Eusébio de Queiroz, político influente no Império e autor de legislação contra a escravidão, foi um angolano que, a caminho das Cortes de Lisboa, fez escala no Brasil e lá permaneceu. Quando, em 1825, Portugal reconhece a Independência brasileira, um dos artigos do Tratado assinado vedava a qualquer possessão ou colónia portuguesa anexar-se ao Império do Brasil, exatamente porque a nossa soberania passou a inspirar os autonomistas africanos, sobretudo de Angola e Cabo Verde. 

 

A partir de finais do século 19, no entanto, observa-se um  drástico esvaziamento nas relações Brasil-África, especialmente em virtude da abolição da escravatura no país (1888), da marcada presença colonial europeia no Continente africano e da crescente participação brasileira no mercado internacional, como exportador de matérias-primas.

 

Esses contatos com a África só vieram a ser retomados com sucesso a partir dos anos 60, com a chamada Política Externa Independente, do Presidente Jânio Quadros, e sobretudo a partir do momento em que as colónias se tornam países independentes. Inicialmente pautado mais pela retórica que por realizações concretas, o Brasil começa a estabelecer novos laços diplomáticos e comerciais com um continente que se vê animado pelo otimismo das ondas de descolonização dos anos 1960 e 70. Doravante, não se falava mais na criação de uma desejada Comunidade Luso-brasileira, mas em uma Comunidade de países de Língua Portuguesa.

 

Seria o renascimento do velho corpo, só que desta vez constituído por órgãos autônomos e soberanos, que livremente decidiram interligar-se, integrar-se fundados em uma língua e um passado comuns, com vistas a promover o desenvolvimento sustentado de toda a Comunidade. Um dos arautos dessa nova empreitada, José Aparecido de Oliveira, recordava com orgulho que:

 

“A primeira das nossas preocupações na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa foi a de instituir uma sociedade rigorosamente entre iguais, de tal maneira que as dimensões físicas e políticas dos países participantes não influíssem na formação do grupo nem na sua orientação futura. Há, em nosso entendimento, um fator transcendental, que nos iguala e elimina preocupações de hegemonia: a alma comum fundada pela nossa língua”.

 

E assim nasceu a CPLP, em julho de 1996. 

 

- Em conferência pronunciada no Instituto Rio Branco, ou seja, na sede da Academia Diplomática do Brasil, e dirigindo-se a jovens diplomatas brasileiros, o Ministro Celso Amorim afirmava que:

 

“A Comunidade  dos Países de Língua Portuguesa é mais do que um espaço de confraternização entre povos irmãos. É uma iniciativa de alto valor estratégico, cujo raio de ação abrange quatro continentes. Somos oito países, com uma população de 230 milhões de habitantes comprometidos com a democracia e a justiça social. A CPLP vai ganhando voz e personalidade internacionais. É, hoje, uma organização madura, capaz de reagir prontamente a situações de crise. Desfruta do prestígio de uma instituição vocacionada para a prevenção dos conflitos e tensões. Nossa Comunidade é unida por valores e princípios nascidos de uma vivência linguística comum que queremos preservar e difundir”.

 

É evidente que a Lusofonia, que não se esgota na Língua, muito menos se esgotaria em um organismo multilateral criado pelos países de língua oficial portuguesa. O espírito e o idioma da lusofonia espraiam-se por um universo não delimitado por fronteiras nacionais, alcançando rincões longínguos marcados pela presença da diáspora de nossos países.

 

Mas a Língua Portuguesa, esse extraordinário, património imaterial, essa hoje notável construção conjunta de todos nós, falada por mais de 240 milhões de pessoas em todos os Continentes, constitui sem dúvida o lastro, a base, o alicerce não apenas da CPLP, mas daquilo a que damos o nome de Lusofonia. 

 

Conclusão – sobre essa riquíssima viagem da Língua, eu lembraria, para concluir, um texto de Miguel Torga, de uma mensagem enviada quando da fundação da CPLP.

 

“Impossibilitado de participar pessoalmente nessa feliz iniciativa de fundação da Comunidades dos Países de Língua Portuguesa, venho, desta maneira saudar calorosamente os seus ilustres e activos obreiros, e afirmar mais uma vez o que sempre pensei e disse em letra redonda, que é na língua comum que temos todos, filhos de Europa, da África e da América, o maior patrimônio histórico e cultural, e garantia eterna da nossa identidade.

 

Língua nascida numa Pátria exígua territorialmente, mas que ela alargou aos cinco continentes, graças ao seu dom expressivo e proteico, que lusitanizou, brasilizou e africanizou terras e almas. Grácil e subtil logo no berço, em breves cantigas de amor ou de maldizer, ao cabo de oitocentos anos, não só conserva o viço inicial, como floresce dia a dia em sambas, modinhas, mornas e obras literárias de largo fôlego. Não há ritmo de verso de que não seja capaz, arroubo épico para que não tenha alento, andamento narrativo a que não saiba dar balanço. 

 

Fizeram e fazem esse milagre povo anônimo reinol, os marinheiros aventureiros, os bandeirantes, os tropeiros sertanejos, os escravos das senzalas, e gênios e talentos que vão de Camões e Gil Vicente a Machado de Assis e Euclides da Cunha, José Craveirinha e Luandino Vieira.

 

Exaltar e promover esse patrimônio sagrado é mais um dever imperativo de povos que o destino quis que fossem de irmãos miscigenados e é como membro orgulhoso da nossa família multirracial, e é como garimpeiro nos aluviões do idioma materno, que faço votos para que todos sejamos seus firmes defensores e dignos merecedores da glória de o servir”.

Miguel Torga, 14 de dezembro de 199