Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


29-12-2006

Crônica 34


Mais um ano se passou e pouco ou nada do que é verdadeiramente importante e vital, mudou. Num país de sebastianistas e de sonhadores convém recuperar algumas páginas importantes da História de Portugal que a rede da internet nos proporciona com pequeno esforço. Por isso hoje vamos até ao Prestes João, figura imaginária que encheu de sonhos muitos jovens como eu.
A Abissínia é a Terra (Prometida) do Prestes João um suposto rei católico de pele tisnada que ali viveria, numa zona que mais tarde se alegou ser território da Rainha do Sabá... material fascinante para revisitar a história portuguesa.
 As primeiras notícias sobre o Prestes João chegaram à Europa no ano de 1145, quando Hugo de Gebel, Bispo de uma colónia cristã no Líbano, informou o Papa da existência de um reino cristão situado "para lá da Pérsia e da Arménia", governado por um rei-sacerdote denominado Iohannes Presbyter (João, o Presbítero, i.e. sacerdote ou ancião) e que seria descendente de um dos Reis Magos.

PRESTES JOÃO

Se abriram as cortinas e subitamente vimos o Preste João, ricamente adornado sobre uma plataforma de seis degraus. Tinha em sua cabeça uma grande coroa de ouro e prata. Uma de suas mãos apoiava uma cruz de prata (...) À sua direita, um pajem apoiava uma cruz de prata bordada em forma de pétalas (...) O Preste João usava um belo vestido de seda com bordados de ouro e prata e uma camisa de seda com mangas largas. Era uma bela vestimenta, semelhante a uma batina de um bispo, e ia de seus joelhos até o chão (...) Sua postura e seus modos são inteiramente dignos do poderoso personagem que é.
(Francisco Alves, embaixador português enviado à Etiópia, século XVI)
A Etiópia (anteriormente conhecida como Abissínia, nome derivado das suas regiões montanhosas) foi sempre uma grande potência na África subsaariana desde o início da História. Um grande contingente de judeus existiu ali desde o século VIII AC, depois de ter emigrado atravessando o Egipto ou depois de cruzar o Mar Vermelho vindos da península Arábica.
A cristandade desceu do sul do Egipto para a Abissínia no século IV. Após o período inicial de conversão, a  Igreja Etíope ficou sob o domínio e autoridade da Igreja Copta do Egipto onde um Prelado era nomeado pelo Patriarca do Cairo. Mais tarde, o cristianismo tornou-se na principal religião do país embora o país seja, desde há muito, uma manta de retalhos no que toca a variedade de religiões.
O avanço dos conquistadores islâmicos nos séculos VII e VIII, isolaram a Etiópia do resto da Cristandade. As Legiões do Profeta estenderam-se ao Egipto e à Núbia (actual Sudão), ocupando todo o litoral do Mar Vermelho e do “Corno” de África, mas a escalada islâmica esbarrou contra as altas montanhas da  Abissínia antes de retroceder.
Ao terminar a era medieval os marinheiros portugueses navegavam por África e pelo Oceano Indico, em busca do fabuloso reino cristão do Prestes João. Ao descobrirem os cristãos etíopes, pensaram que tinham encontrado o que buscavam.
Na época, os etíopes estavam sob a constante ameaça das Legiões do Profeta, as forças comandadas pelo Sultão do Império Otomano e pediram a Judá dos Portugueses que, numa aliança com mais forças europeias e africanas entraram numa grande batalha em 1542. a princípio, a batalha foi perdida contra as forças turcas. No ano seguinte, porém, venceram uma batalha decisiva e os islâmicos turcos foram obrigados a bater em retirada.
Dum ponto de vista português, os abissínios praticavam uma forma estranha e aberrante de cristianismo, embora os europeus achassem ser sua obrigação corrigir a sua doutrina e trazê-los de volta á autoridade papal em Roma. Contudo, os etíopes não estavam interessados e as relações entre etíopes e portugueses deterioraram-se. Os missionários jesuítas permaneceram mais tempo, primeiro tolerados, depois indesejados e, por fim, foram finalmente expulsos.
A Etiópia permaneceu assim isolada do resto do mundo cristão até ao grande avanço das forças coloniais europeias nos finais do século XIX: eram franceses, italianos e britânicos a tentarem colonizar o país sem o conseguirem. Os ingleses acabaram por invadir e derrotara a Abissínia em 1868, mas não conseguiram ocupá-la. Os italianos lutaram contra os etíopes em Adowa no ano de 1896, e foram surpreendidos e derrotados por um exército predominantemente nativo com equipamento bélico francês. 
Mussolini viria a vingar-se desta derrota militar e desta afronta à dignidade italiana quando invadiu, ocupou e anexou a Etiópia em 1936. Este período até 1941 foi o único em toda a sua história em que a Etiópia esteve sob o jugo duma potência estrangeira.
O vírus comunista acabaria por infectar a Etiópia em 1974 quando o Imperador Hailé Selassié foi derrubado e substituído por uma ditadura marxista. Durante dezassete anos de jugo comunista a economia etíope foi destroçada, a fome devastou toda a terra e os conflitos fronteiriços alastraram à Eritreia e Somália.
A igreja sofreu perseguições sem conta durante o regime comunista – o Patriarca foi assassinado em 1974 – mas recuperou depois da criação dum governo representativo em 1991. Ainda hoje a Etiópia é predominantemente cristã.

PONTES PORTUGUESAS

Uma ponte portuguesa ali construída há séculos foi recentemente reconstruída como se pode ver adiante. Durante a II Guerra Mundial, a Ponte Portuguesa na Etiópia, com 295 anos de idade – uma das quatro que atravessavam o Rio Nilo – foi seriamente danificada. Nos 65 anos seguintes, todos os esforços de reconstrução foram em vão. Em consequência, os utilizadores que quisessem ir da província de Gojam até à de Gonder, tinham que atravessar o trecho vazio por uma corda suspensa. Perdiam-se cinco vidas, em média, por ano.

   Inspirado pela fotografia de um homem que empreendia a perigosa travessia, Ken Frantz, um ex-rotário do RC de Gloucester-Point, D.7610, EUA, criou a “Pontes para a Prosperidade.” Frantz, proprietário de uma empresa de construção, sabia que sua experiência seria valiosa para ajudar os 375 mil habitantes que viviam nos dois lados da Ponte Portuguesa.
Contando com o apoio financeiro do RC de Gloucester-Point, dos outros RCs de Gloucester e mais os de Adis-Abeba, D.9200, Etiópia, Frantz, juntamente com sete outros voluntários dos EUA e da Etiópia, foram à luta.
Mas a empreitada era muito mais difícil do que o esperado. O vão da ponte, com um quilómetro de extensão, a mais de 40 km de distância da cidade mais próxima, requeria cerca de 12 toneladas de aço, cimento e equipamento para a execução do serviço, e tudo foi transportado no lombo de mais de 350 burros. Durante duas semanas, em Fevereiro de 2002, os voluntários, assistidos por mais de 250 residentes, conseguiram reparar a ponte. Todo o trabalho foi executado à mão, e a maior ferramenta usada foi um martelo feito de pedra. Mais de 1.000 residentes e autoridades governamentais estiveram presentes na cerimónia de reinauguração da ponte.

 Uma das pontes portuguesas na Etiópia fica em
Debre Libanos, a pouco mais de 100 quilómetros a norte de Adis-Abeba. Foi construída no século XVI ou VXII e os construtores usaram ovos de avestruz na sua construção. Foi o que me garantiu o guia. Há quem defenda que é de construção mais recente.
A ponte portuguesa fica à frente da grande garganta de Jemma, por cima de um pequeno tributário do Nilo Azul. Está perto do mosteiro ortodoxo de Debre Libanos (Monte Líbano). O mosteiro foi construído no século XIII por Tekle Haimanot, um dos santos etíopes. Foi bombardeado pelos Italianos durante a
ocupação da Etiópia (1935-1941). É um dos maiores centros de espiritualidade do país.

 

 

A segunda ponte portuguesa fica sobre o Nilo Azul - os Etíopes chama-lhe Abbay -, a cerca de 35 quilómetros da cidade de Bahar Dar e a uns 400 a norte de Adis-Abeba. Foi construída no século XVII a curta distância da cascata de Tississat (literalmente «A água que fumega»). No seu esplendor, a queda de água forma uma cortina de 400 metros de comprido e 35 de altura. Este espectáculo natural ficou seriamente comprometido com a construção de uma hidroeléctrica. Os Chineses simplesmente desviaram o rio para alimentar a nova central. O preço do progresso...

A ARQUITECTURA DE PEDRA NA ETIÓPIA

De acordo com a lenda da fundação de Gondar pelo rei Fasiladas, uma velha profecia proclamava que uma nova era para o Cristianismo na Etiópia se iniciaria quando um rei justo estabelecesse permanentemente a corte régia num local cujo nome começasse pela letra G. Por tentativas e erros, os reis que precederam Fasiladas construíram castelos de pedra em Gorgora, Gomangué, Guzara e Gânâtâ Iéssusse.
Esta profecia indica, à posteriori, que o conceito de acampamento real (càtàmà) como centro político e cosmológico e, mais globalmente, o conceito de vida urbana na Etiópia se alterou profundamente com a substituição das tendas semi-itinerantes por castelos construídos em pedra e argamassa. A lenda sublinha, também, a existência de conexões culturais e históricas entre Gondar e os complexos reais pré-gondarinos. Os primeiros castelos etíopes em pedra aparelhada foram construídos em Dambiá e no Gôdjame, após o estabelecimento da comunidade portuguesa naqueles territórios (depois de 1543), e a simultânea ocupação da costa da Eritreia pelas forças turcas (em 1557).
De local para local, as residências reais seguem os mesmos parâmetros arquitectónicos: castelos quadrados em pedra ou argamassa, com cisternas adjacentes que mantêm um suplemento permanente de água, rodeados por complexos de paredes circulares encimados por torres cilíndricas. É provável que a arquitectura defensiva portuguesa e turca tenham tido uma especial influência na arquitectura militar etíope. Por exemplo, a torre central do castelo de Fasiladas em Gondar (meados do séc. XVII) evoca, algo anacronicamente, as torres telescópicas presentes na arquitectura militar portuguesa do início do século XVI.
Uma outra influência pode ser detectada num pavilhão real no centro de um tanque em Âzâzô. Parece ter sido inspirado na arquitectura dos pavilhões de lazer indianos: um sistema de condutas conduzia a água até ao telhado do pavilhão, a partir do qual descia como um ecrã pelas paredes, refrescando o pavilhão. O desenho das igrejas e residências católicas etíopes do séc. XVII surge intimamente associado à presença, naquele país, de um conjunto de missionários jesuítas que ali chegaram, enviados a partir de Goa e Diu. Estes monumentos resultaram possivelmente, de influências e trocas de saberes técnicos entre etíopes, turcos, indianos e portugueses.
Para construir as suas igrejas, os padres católicos recorriam a dois tipos alternativos de planta desenvolvidos pela Sociedade de Jesus na Europa para serem adoptados nas suas missões pelo mundo:

- O modelo da igreja-salão (presente em Gorgora Nova e em Âzâzô), que responde a um conceito congregacional da comunidade religiosa;
- a igreja cruciforme latina, na qual o espaço interior é organizado de acordo com regras estritas codificadas no Concílio de Trento e iluminado por grandes janelas (a catedral de Dancaze segue o mesmo projecto que a igreja de Jesus em Roma, do arquitecto Vignola). A planta arquitectónica favorece a decoração das paredes interiores e arcos, tal como em Mertula Mariame.
Vejamos o que Jorge Manuel Moreira Silva
, Primeiro-Tenente escreveu:
A Abissínia é a Terra (Prometida) do Prestes João um suposto rei católico de pele tisnada que ali viveria, numa zona que mais tarde se alegou ser território da Rainha do Sabá... material fascinante para revisitar a história portuguesa.
 As primeiras notícias sobre o Prestes João chegaram à Europa no ano de 1145, quando Hugo de Gebel, Bispo de uma colónia cristã no Líbano, informou o Papa da existência de um reino cristão situado "para lá da Pérsia e da Arménia", governado por um rei-sacerdote denominado Iohannes Presbyter (João, o Presbítero, i.e. sacerdote ou ancião) e que seria descendente de um dos Reis Magos.

 

 

 

 

 

O Preste João, segundo uma gravura veneziana do século XVI
Este soberano teria derrotado recentemente os reis dos Medos e dos Persas e avançado com o seu exército, a fim de levar auxílio a Jerusalém, ameaçada pelos muçulmanos, tendo, contudo, esbarrado no rio Tigre, por falta de embarcações para a travessia e, por fim, sido forçado a regressar ao seu país.
Estas notícias lançaram grande entusiasmo na corte papal e causaram sensação entre os líderes europeus que, informados pela mesma via da queda de Edessa em poder dos muçulmanos, se preparavam para ir em socorro dos reinos cristãos no Oriente, no que viria a ser a 2ª Cruzada. Aquela expedição acabou, porém, num rotundo fracasso, não tendo sido registada a chegada de qualquer providencial auxílio aos cruzados.
Durante algum tempo não mais se ouviu falar no misterioso monarca, até que em 1165, chegou às mãos do Papa e dos imperadores Manuel Comneno, de Constantinopla, e Frederico Barba-Ruiva, da Alemanha (os três maiores governantes da cristandade), uma carta dirigida simultaneamente aos imperadores romanos do Ocidente e do Oriente, cujo remetente se intitulava "João, Presbítero, pela Omnipotência Divina e pelo poder de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor dos Senhores".
Proclamava-se o autor da carta "Senhor das Três Índias" (no conceito geográfico medieval, as Três Índias subdividiam-se em Próxima Índia, Extrema Índia e Média Índia, correspondendo respectivamente às partes Norte e Sul do subcontinente indiano e à região africana hoje denominada Etiópia) e vangloriava-se de ser "superior em virtude, riquezas e poder a todos os que caminham sob os Céus", habitando um palácio de ébano e cristal com tecto de pedras preciosas e colunas de ouro, sendo servido por reis e por bispos.
Os seus guerreiros percorriam os céus cavalgando dragões selados e uma fonte da juventude estava acessível a todos os seus súbditos, contando, já, o rei 562 provectos anos. Afirmava ainda que o seu reino era povoado, entre outras espécies, por "homens com cornos, homens com um só olho, homens com olhos à frente e atrás, centauros, faunos, sátiros, pigmeus, gigantes de 40 côvados de altura, ciclopesmachos e fêmeas, o pássaro chamado Fénix e quase todas as espécies de animais que vivem sob o Sol".
Em 1177 o papa Alexandre III enviou, através do seu médico, Mestre Filipe (ou Philippus), uma resposta à suposta carta do Prestes, em que respeitosamente lhe reprovava a jactância e o convidava a reconhecer no papa de Roma o único e legítimo sucessor do apóstolo Pedro. Mestre Filipe partiu para o oriente a fim de se encontrar com o rei-sacerdote, mas nunca regressou da sua viagem.
Só se voltou a ouvir falar do mítico soberano quando, em 1221, o bispo de Acre escreveu ao Papa acerca de um possível descendente, o rei David, da Índia, chamado pelo povo Prestes João, que se encontrava em combate com poderosos exércitos muçulmanos.

QUEM ERA O PRESTES JOÃO?

 
As três localizações do reino do Prestes João.

A lenda do Prestes João foi alimentada pela existência de dois grandes grupos cristãos primitivos isolados da cristandade ocidental e jamais submetidos à autoridade papal: os coptas, na região da Abissínia (a actual Etiópia, cristianizada desde o século IV) e os nestorianos que se implantaram na Ásia, atingindo algumas zonas da Índia (os famosos "cristãos de S. Tomé", da costa do Malabar, cujas comunidades teriam, segundo a lenda, sido fundadas por aquele apóstolo) e da Tartária, onde foram convertidos os turcos Kereitas e algumas tribos mongóis. Em todas estas regiões o lendário rei foi procurado, tendo sido, na verdade, encontrado um pouco por todas elas.
À data das primeiras notícias do Prestes, uma tribo turco-mongólica - Kara Kitai - chefiada por um tal Ye-liu Ta-che conquistou Samarcanda (1137) e obteve uma grande vitória sobre o sultão seljúcida do Irão Ocidental (1141). As notícias das vitórias destes inimigos do Islão poderiam facilmente levá-los a ser confundidos com um povo cristão, sendo até provável que tivessem combatido aliados a tribos cristianizadas (não está, aliás, posta de parte a possibilidade dos Kara Kitai serem, eles próprios, cristãos). Reza a tradição que este Ye-liu Ta-che terá usado o título de Gur-Khan, nome que em árabe se pronunciaria Yuhanan e que poderia, mais tarde, ter sido latinizado para Iohannes. Na verdade, o título de Gur-Khan foi apenas utilizado pelos sucessores de Ye-liu Ta-che, mas é possível que a componente Khan (rei) figurasse em qualquer do título que lhe tenha sido atribuído. Ora Khan, além de poder ser, à mesma, deturpado para Yuhanan, pode também ser facilmente confundido com Kham (sacerdote). É, assim, plausível, que o nome do rei-sacerdote tenha tido aqui a sua origem.
Outra teoria refere a possibilidade de João derivar de Zan-hoy (meu senhor), tratamento que era dado ao imperador da Etiópia. Sob o domínio muçulmano, esta região, que até então mantivera o contacto com o restante mundo cristão, encontrava-se isolada da Europa desde o século XI. Poderia, então, aquela forma de tratamento ter-se mantido no imaginário colectivo ocidental, deturpada para Giannoi, Giovanni ou Johannes e acabando por se misturar com as primeiras notícias das vitórias de Ye-liu Ta-che.
Seja como for, o mito surgiu numa altura em que a Europa se encontrava sitiada pelas forças do Islão, da Ásia Menor ao Norte de África e com uma boa parte da Península Ibérica ainda a servir de "ponta de lança" a um possível avanço dos "infiéis", pelo que se desejava ardentemente o surgimento de um aliado poderoso que atacasse o inimigo pela retaguarda e aliviasse, assim, um pouco a pressão.
Mas as atenções começavam a deslocar-se para a Abissínia. A pretensa carta do Prestes, em 1165, tratava-se, sem dúvida, de uma mistificação, devido ao seu carácter extremamente fantasioso (que não o era, porém, no pensamento do homem medieval), o que não se sabe é se se tratava de uma brincadeira ou de um embuste consciente da parte de alguém influente que pretendesse levantar o moral cristão.
O importante desta epístola, porém, é o facto de alargar o leque de possibilidades para a localização do mítico rei-sacerdote, uma vez que se refere às "Três Índias". Talvez por, numa peregrinação à Terra Santa, ter encontrado peregrinos abexins (etíopes) que lhe comunicaram o interesse do seu imperador em instruir-se no catolicismo romano, foi, provavelmente, à Abissínia que Mestre Filipe se dirigiu, em 1177 com a resposta do Papa.
Mas eis que vieram, novamente, da Ásia notícias frescas, desta vez relacionadas com um suposto descendente do Prestes, o já anteriormente referido rei David que, de acordo com a carta do bispo de Acre (1221) tinha "três exércitos. Um deles foi mandado para a região pertencente a Colaph, irmão do sultão do Egipto, o outro contra Bagdade e o terceiro contra Mossul. E agora o rei (…) apressa-se para alcançar a Terra Prometida, a fim de visitar o sepulcro de Nosso Senhor e reconstruir a Cidade Santa. Mas, antes disso, é sua intenção (…) subjugar a terra do sultão de Icónio, Caláfia e Damasco e ainda as regiões intermédias, a fim de não deixar um só inimigo atrás de si".
De acordo com este relato estava-se, sem dúvida, em presença de um terrível flagelo dos "infiéis". Se não era o Prestes João, só poderia ser alguém com uma grandeza equivalente! E era, de facto: embora tenha realmente existido um rei georgiano chamado David que infligiu uma severa derrota a um numeroso exército muçulmano, as tropas que se aproximavam vindas do Oriente eram, na verdade, conduzidas por outro grande inimigo do Islão - Gengis Khan, o conquistador mongol cujos domínios acabariam por se vir a estender até às franjas da Europa.
Durante as suas viagens (1271-1295), o explorador Marco Polo viria, posteriormente, a identificar os tártaros como o povo do Prestes João, embora já em franca decadência, pois as fracas reminiscências do seu antigo esplendor eram, então, claramente ofuscadas pelo brilho da corte de Kublai Khan, a quem prestavam vassalagem.

O Preste João representado no frontispício da História da Etiópia, de Manuel de Almeida (Coimbra, 1660).

PRESTES JOÃO NA ABISSÍNIA

Tendo-se revelado infrutíferas as buscas do Prestes por terras da Ásia, as atenções da Europa começavam a voltar-se para a África, mais concretamente para a Abissínia (a "Média Índia"). Evangelizada no século IV, manteve-se cristã mesmo após as invasões árabes no século VII, embora acabasse por ficar isolada do mundo cristão ocidental.
Segundo uma lenda, talvez forjada pelos próprios com o intuito de convencer os seus súbditos da nobreza da sua linhagem, os imperadores da dinastia que se estabeleceu a partir de 1270 eram descendentes do rei Salomão e da rainha de Sabá (a Sabá bíblica situar-se-ia no território do actual Iémene, portanto logo do outro lado do Mar Vermelho) e usavam o título de Leão de Judá. É, assim, possível que, na Europa, esta lenda acabasse por ser distorcida e a salomónica ascendência transferida para um dos reis magos, adaptando-se, deste modo, à mítica origem do Prestes (cujo nome poderá ter derivado, conforme anteriormente referido, do tratamento Zan-hoy dado aos soberanos etíopes).
O longo isolamento a que a Abissínia foi sujeita até se libertar finalmente do domínio muçulmano, nos finais do século XIII, terá, sem dúvida, alimentado fantasiosas especulações sobre aquele país misterioso situado nos confins do mundo conhecido de então. Tal não impediu, no entanto, que se estabelecessem alguns contactos pontuais entre peregrinos europeus e etíopes, que os árabes ocasionalmente autorizavam a deslocar-se à Terra Santa, e se fizessem esporádicas visitas de missionários católicos à Abissínia (a primeira embaixada oficial, enviada pelo papa João XXII, chegaria apenas em 1316).
Começam, assim, a chegar, a partir do século XIV, relatos fascinantes sobre aquela região, que não mais deixaria de ser referida como "a terra do Prestes João". Falavam esses relatos de impressionantes basílicas chapeadas a ouro(4) e mesmo o túmulo do apóstolo Tomé, tradicionalmente localizado em Meliapor, na Índia, passa, muitas vezes a ser assinalado na região correspondente à "Média Índia".
Poderá, à primeira vista, não existir qualquer relação entre as localizações asiática e africana do reino do Prestes. Se tivermos, porém, em conta que a cartografia medieval não dispunha da capacidade de representar o Mundo como um todo, recorrendo muitas vezes a uma justaposição de levantamentos parciais em que o posicionamento relativo era grosseiramente distorcido devido a imprecisões de distância e de direcção (era frequente o engano quanto aos pontos cardeais), verificamos que a confusão tinha alguma razão de existir. De facto, ambas ficavam "para as bandas do Oriente", onde se situava o paraíso terreal, e para ambas era necessário atravessar um "grande deserto arenoso", fosse ele o Saara, o Arábico, o Negev ou as grandes estepes asiáticas.


Os Turcos conquistam Constantinopla.
Na primeira metade do século XV o imperador Yechak conseguiu estabelecer relações diplomáticas com soberanos europeus, entre os quais Afonso V de Aragão, propondo-lhes uma aliança contra os árabes, mas o interesse da Europa havia já, há muito, esmorecido, quanto mais não fosse pelo facto de se verificar um acentuado alívio da ameaça islâmica. Seria outro pequeno país,situado no extremo sudoeste docontinente europeu, a reacender o interesse na demanda do reino do Prestes João: Portugal.
 
Os primeiros contactos dos portugueses com o reino do PrestesJoão

OS PORTUGUESES E O PRESTES JOÃO

Embora não faça uma referência directa à figura do rei-sacerdote, Gomes Eanes de Zurara refere, na sua Crónica da Guiné, que um dos objectivos que nortearam a exploração portuguesa da costa africana foi o de procurar reinos cristãos naquele continente. É natural que, durante a sua infância, o Infante D. Henrique tivesse escutado as narrativas sobre o reino do Prestes João (recordemos que a localização na Abissínia era, já, a concepção dominante da altura), posteriormente reavivadas, aquando da conquista de Ceuta (1415), pelos relatos de mercadores e prisioneiros mouros, que falavam de grandes reinos negros a Sul do Grande deserto.
A riqueza da costa ocidental africana e as teorias geográficas da época, que davam aquele continente como sendo menos extenso em longitude do que realmente era, criaram a esperança de se poder atingir o reino do Prestes por via fluvial, subindo os grandes rios que fluíam de Leste, dando assim possibilidade aos navios portugueses de navegarem directamente para a Índia e participarem no lucrativo comércio das especiarias. Esta era uma das ideias que D. João II tinha em mente quando, em 1482, enviou Diogo Cão à foz do Congo. Tendo subido o rio, o navegador encontrou nativos amigáveis e permeáveis à fé cristã que lhe deram a entender serem governados por um poderoso rei que residia longe, numa cidade real para o interior que podia ser alcançada navegando ao longo daquele rio.
Tendo navegado mais para Sul, Diogo Cão acabou por dar mais importância ao facto de atingir aquilo que julgou ser o extremo meridional de África (um erro que lhe valeria, mais tarde, cair em desgraça), mas ainda durante as suas viagens um tal João Afonso de Aveiro regressou de Benim, onde estabelecera uma feitoria comercial e encontrara pimenta de boa qualidade, e relatou que "a vinte meses de jornada a partir da costa vive um rei que é venerado pela sua gente de maneira igual àquela como o Papa é venerado pelos cristãos católicos". Esta jornada de vinte meses corresponderia a um percurso de cerca de 1800 km e conduzia directamente ao reino da Abissínia.
Mas D. João II pretendia saber mais acerca do poderio do rei-presbítero e aprender coisas sobre a Índia propriamente dita. Queria também saber se o mar da Índia era rodeado de terra, como julgava Ptolomeu, ou se estava ligado ao Atlântico. Desejava, por fim, saber onde terminava a África. Enviou, assim, vários "espiões", com o objectivo de conseguir tais informações. Entre eles seguiram, em 1490, Afonso de Paiva e Pêro da Covilhã. Tendo chegado juntos a Adém, no Iémene, dali partiu Afonso de Paiva, com o objectivo de visitar o Prestes João, enquanto Pêro da Covilhã seguiu para a Índia. Visitou Cananor, Calecut e Goa e, ao considerar cumprida a sua missão regressou ao Cairo onde os dois exploradores tinham combinado encontrar-se.
Ali soube, por dois mensageiros do rei D. João II, que Afonso de Paiva tinha morrido antes de atingir o seu objectivo, sendo agora sua a missão de visitar o Prestes na Abissínia. Tendo atingido aquele reino em 1493, ficou Pêro da Covilhã, à semelhança com o que antes sucedera com vários emissários europeus, detido pelo negus (o soberano), sendo ainda impedido de enviar relatórios (dir-se-ia que o Prestes João temia que na Europa se soubesse que o seu reino não era, afinal, tão esplendoroso como se especulava). Não obstante, foi cumulado de honrarias e passou a gozar de uma grande influência na corte abissínia, tendo sido encontrado ainda vivo pela primeira embaixada oficial portuguesa a chegar àquele território, em 1520.
Entretanto, o caminho marítimo para a Índia era finalmente descoberto por Vasco da Gama. Numa providencial escala em Melinde, na costa oriental africana, os portugueses foram muito bem recebidos pelo sultão local, cujo porte imponente os impressionou bastante. Quando, por engano, os indígenas se inclinaram e rezaram perante um altar existente num dos navios, os marinheiros concluíram que se encontravam perante um povo cristão (e os indígenas, por sua vez, devem ter julgado que os portugueses eram hindus). O entusiasmo cresceu quando Vasco da Gama foi saudado com os gritos "Krishna! Krishna!", que deve ter soado como "Cristo!"(5)(6). Mais uma vez se encontravam sinais da existência do Prestes João, agora um pouco mais para Sul. Seria o rei de Melinde um vassalo do rei-sacerdote?
As especulações viriam, por fim, a terminar quando, em 1520, uma embaixada chefiada por D. Rodrigo de Lima (que incluía o Padre Francisco Álvares, o cronista da missão), chegou à corte Etíope. Era o fim da lenda e o início das relações diplomáticas com aquele país, sempre acompanhadas de uma forte acção missionária destinada a trazer aquele povo de volta ao seio do catolicismo.
Dali a pouco tempo, perante o ataque do chefe somali Ahmad Al-Ghazi, aliado aos turcos, o negus solicitava auxílio militar aos portugueses, auxílio esse que viria a ser prontamente prestado por D. Estêvão da Gama, filho de Vasco da Gama e governador da Índia. Ao contrário do que sempre fora esperado pelos monarcas europeus, era a vez do Prestes João pedir a ajuda do mundo ocidental.

Página de rosto da 1ª edição da verdadeira informação das terras do Preste João, Francisco Álvares.

MITO CHEGA AOS NOSSOS DIAS

Já no início deste século, alguns missionários portugueses estabelecidos na Etiópia encontraram antigas espadas e bandeiras cristãs transmitidas de geração em geração, acompanhadas da lenda de terem um dia pertencido a um monarca cristão de aparência divina. Seriam estes os mais recentes indícios da existência do Prestes?
Em 1935 o imperador Hailé Selassié (que, tal como os seus antecessores usava o título de Leão de Judá) encabeçou a resistência etíope contra os invasores italianos de Mussolini, tendo sido reinstalado no trono com o auxílio britânico. No seu reinado a Etiópia afirmou-se, nas décadas de 50 e 60, como um dos principais estados neutrais africanos. No entanto, devido aos problemas sociais do seu país, aos quais não conseguiu dar resposta, foi deposto por um golpe militar em 1974. Em 1975 morria aquele que foi, provavelmente, o último descendente do Prestes João. Uma crença que considerava aquele imperador uma espécie de messias deu origem ao movimento pan-africanista rastafari (derivado do título Ras Tafari Makonnen atribuído em 1916 a Hailé Selassié), que influenciou muitos descendentes de africanos e jamaicanos de raça negra (de que o cantor Bob Marley foi um exemplo marcante), tanto na Grã-Bretanha como nos Estados Unidos. Talvez não seja descabido afirmar que muitos dos que lerem este artigo terão ainda, de certo modo, sofrido algumas remotas influências do mítico rei-presbítero.
Em resumo, podemos afirmar que o mito do Prestes João surgiu em resposta à desesperada necessidade de uma Europa cercada pelas forças do islão encontrar um aliado que, atrás das linhas inimigas, pudesse afrouxar a pressão. Esse aliado foi procurado e, de certo modo, encontrado nos vários grupos cristãos primitivos do Oriente isolados do mundo ocidental pelo "império" muçulmano. Esses grupos, por sua vez, deram origem a diferentes localizações do reino do Prestes, a que não foi alheio o contexto histórico de cada momento – na altura das Cruzadas, por exemplo, predominou a tendência para localizar o mítico reino por terras da Ásia, enquanto que durante a época das Descobertas se tornou mais conveniente a localização em África.
Mas, tendo sido real ou um mero produto da imaginação medieval, o rei-sacerdote acabou por ser um verdadeiro aliado da cristandade, pois a busca do seu reino foi, sem dúvida, um incentivo e um catalisador da expansão europeia para Oriente.
Jorge Manuel Moreira Silva
. Primeiro-Tenente

Iluminura do Wappenbuch de Conrad Grünenberg (Constance, 1480). München, Bayerische Staatsbibliothek, Cgm, 145, p. 53).

O NASCIMENTO DO MITO

A queda da cidade de Edessa, na Palestina (1144), após um cerco de vinte e oito dias efectuado por Imad ed-Din Zengi (general do sultão Mahmud), foi o principal motivo da pregação da Segunda Cruzada na Europa. O banho de sangue que se seguiu à conquista causou comoção nos líderes europeus. O cronista árabe Ibn al-Qalãnisi relatou o fato:
Começaram então o saque e a matança, a captura e a pilhagem. As mãos dos vitoriosos se encheram de dinheiro e tesouro, cavalos e presas de guerra o suficiente para alegrar e fazer com que as almas se regozijassem (al-Qalãnisi, 279-80) (Gabrielli, 1984: p. 50).
Hugo, bispo de Jabala, foi enviado como embaixador do reino de Jerusalém e do principado de Antioquia para tratar com o papa Eugénio III (Pisano, 1145-1153) — que se encontrava em Viterbo, pois Roma estava em poder de um grupo hostil ao papa — a possibilidade de uma nova cruzada. Em Viterbo também se encontrava Oto Babenberger, alemão, bispo de Freising e tio de Frederico I Barba-Ruiva, imperador do Sacro Império Romano-Germânico (1152-1190). Oto registou em sua Chronica a notícia, mas estava na cúria papal com o objectivo de notificar Eugénio III da existência de um potentado cristão na Ásia, mais precisamente na fronteira com a Pérsia, que fazia então uma guerra vitoriosa contra o mundo árabe (Runciman, 1973: p. 229).
O rei deste reino maravilhoso, que triunfava numa segunda frente de batalha contra o Islão num momento em que todos fracassavam, chamava-se Preste (padre) João. Era nestoriano, portanto herético — a controvérsia nestoriana foi um cisma cristológico provocado pela culminação da escola antioquiana de teologia nas obras de Nestor (c. 381-451), patriarca de Constantinopla em 428-31. Nestor considerou que Cristo tinha duas naturezas (duo physeis) mas isso não fazia dele dois Filhos, pois as naturezas distintas estavam unidas numa conjunção voluntária. Essa concepção forçou Nestor a arguir contra a atribuição a Maria do título de "Mãe de Deus"(Theotokos, portadora de Deus). Para ele; o termo era impróprio porque ela tinha gerado apenas um homem a quem o Verbo de Deus estava unido (Loyn, 1990: p. 272).
Mas que importava? Um aliado, herético mas cristão, vencendo em outra frente de batalha, minando o inimigo, o “outro”, alimentando as esperanças de uma vitória final da verdadeira fé. Seu exército era imenso: sua carta, destinada apenas a “Nossa Majestade”, afirma que sua milícia levava “treze grandes e altas cruzes, feitas de ouro e de pedras preciosas (...) e a cada uma delas seguem dez mil soldados e cem mil peões armados” (Carta do Preste João das Índias. Versões Medievais Latinas, 1998: p. 82). Com este poderoso exército, Preste João teria conquistado Ectabana, capital persa, dirigindo-se então para o norte, quando então regressou a seu país.
Foi dessa forma que o mito de Preste João "entrou" na História, ou seja, pelas mãos de Oto de Freising. O bispo foi mais além: já na corte de Frederico I Barba-Ruiva, provavelmente falsificou uma carta, que teria sido enviada em 1150 por Prestes João ao imperador bizantino Manuel I Comneno (1143-1180), ao papa e ao próprio Frederico I Barba-Ruiva.
A notícia dessa suposta carta que contava as maravilhas do reino de Preste João espalhou-se pela Europa. Até ao século XV foram feitas várias traduções e cópias. As suas diferentes versões descrevem as maravilhas do seu reino. As jóias corriam nos rios, o palácio do Preste João abrigava 30.000 pessoas à mesa, todos os dias “...não contando com os forasteiros que chegam ou partem. E todos eles recebem em cada dia, da nossa câmara, ajudas de custo quer em cavalos quer em outras espécies” (Carta do Preste João das Índias. Versões Medievais Latinas, 1998: p. 82).
O seu palácio era ricamente decorado. Tectos de cedro, cobertura de ébano, em seu cume dois pomos de ouro, portas de [pedra] sardónica, janelas de cristal, mesas de ouro e ametista com colunas de marfim. Além disso, existiam seres fantásticos: “bois selvagens, sagitários, homens selvagens, homens com cornos, faunos, sátiros e mulheres da mesma raça, pigmeus, cinocéfalos, gigantes, cuja altura é de quarenta côvados, monóculos, ciclopes e uma ave que chamam Fénix e quase todo o género de animais que existem debaixo do céu.” (Carta do Preste João das Índias, p. 56)
O Preste João tinha um aspecto jovem, “apesar de ter então 562 anos de idade” (Franco JR., 1992: p. 39-40), porque se banhava na própria Fonte da Juventude. A carta situa a Fonte num bosque, no sopé do monte Olimpo, não muito longe do Paraíso “de onde Adão foi expulso”: “Se alguém beber em jejum três vezes dessa fonte, a partir desse dia nunca mais sofrerá de qualquer doença e será sempre, enquanto viver, como se tivesse trinta e dois anos de idade” (Carta do Preste João das Índias, p. 64-66).
Quando atingiam os cem anos de idade, os homens rejuvenesciam bebendo da água da Fonte, até completarem 500 anos, quando então morrem, e, por tradição, são enterrados juntos de árvores que possuem folhas que nunca caem e são duríssimas. “A sombra dessas folhas é agradabilíssima e os frutos dessas árvores de suavíssimo odor” (Carta do Preste João das Índias, p. 68).
No seu reino estava também a Árvore da Vida, que fazia fronteira com o Paraíso, a apenas um dia de distância. “Porém ela era guardada por uma serpente duas vezes maior que um cavalo, tendo ainda nove cabeças e duas asas. Vigilante o tempo todo, ela dormia apenas no dia de São João Batista, quando se podia recolher o bálsamo que a árvore produz e do qual se faz o crisma, o óleo sagrado” (Franco JR., 1992: p. 39-40). Ela representava o próprio Preste João porque “...tal como essa árvore ultrapassa as outras em fruto e aroma, do mesmo modo a nossa pessoa neste mundo não tem semelhante nem igual.” (Carta do Preste João das Índias, p. 114-116).
Neste reino maravilhoso não havia corrupção, guerras ou violência, o mal inexistia: “Entre nós não existem pobres. Não existe entre nós nem roubo nem rapina, nem o adulador ou o avaro têm lugar aqui. Não há disputa entre nós. Os nossos homens abundam em todas as riquezas.” (Carta do Preste João das Índias, p. 76).
Os seus súbditos eram abençoados por terem um rei tão maravilhoso. A similitude com Salomão é clara: “A população de Judá e de Israel (...); comiam, bebiam e viviam felizes” (l Rs, 4,20).
Preste João proclamava-se imperador de 72 reis na Ásia — o número 72 era uma analogia a Isidoro de Sevilha: “De facto, segundo a autoridade de Isidoro de Sevilha, o mundo é formado por 72 povos (44: IX, 2, 2), e Preste João afirma na sua carta governar 72 províncias, cada uma delas tendo um rei que lhe é tributário (Franco JR., 1992: p. 39-40): “Setenta e dois reis são nossos tributários (...) Setenta e duas províncias nos prestam vassalagem” (Carta do Preste João das Índias, p. 54).
Dessa maneira, não é de surpreender que, em 1177, o papa Alexandre III (nascido em Siena, 1159-1181) tenha enviado como embaixador para o reino de Preste João seu médico particular, Felipe, solicitando ajuda contra os muçulmanos. A Igreja já nesse momento, também enxergava a possibilidade de se apropriar do mito. Ao que parece, Felipe terminou sua missão na Abissínia sem nenhum resultado (Runciman, 1973: p. 382).
Mas qual o interesse do bispo Oto de Freising para divulgar um rei lendário, um reino fantástico e falsificar esta carta? Devemos buscar no contexto político germânico da época as causas da atitude do bispo alemão. Em primeiro lugar, as lutas internas no Império entre guelfos e gibelinos guelfo — de Welf, ou Guelf, tio do duque Henrique da Baviera, que se opôs à eleição de Conrado III da Suábia, o primeiro da dinastia dos Hohenstaufen; gibelino — de Waiblingen, aldeia pertencente aos Hohenstaufen. Mais tarde, na Itália, com as campanhas de Frederico contra a Liga Lombarda, guelfo passou a designar os partidários do papa, e gibelino os partidários do imperador.
Outra questão importante era a disputa entre Frederico e o papa Alexandre III (poder temporal vs poder espiritual) — que tinha suas origens na Questão das Investiduras — uma grande crise que assolou as relações entre o Império e o Papado, e, na verdade, entre a Igreja e as Monarquias europeias de um modo geral, no período de 1075 a 1122 (Investidura — acto físico de investir um clérigo com as insígnias do cargo). Todas estas questões faziam do mito de Preste João um importante instrumento político nas mãos de Frederico (Franco JR., 1994), como veremos.
Como imperador, Frederico também detinha o título de rei da Lombardia. Resolvendo assumi-lo literalmente, enviou a cada uma das cidades lombardas italianas um podestàs — representante imperial — para governar em seu nome. O papa Alexandre III, com receio pelos direitos temporais do papado, excomungou-o (1160). A Liga Lombarda (composta pelas seguintes cidades: Verona, Bolonha, Milão, Vicenza, Treviso, Pádua, Mântua, Bréscia, Cremona, Ferrara, Bérgamo, Parma, Módena e Piacenza), criada em 1167 após a tomada de Milão por Frederico (o imperador arrasou a cidade, incendiando-a totalmente), venceu o exército germânico em Legnano (1176), obrigando-o a reconciliar-se com o papa e a assinar um tratado restituindo o governo próprio das cidades italianas (Tratado de Constança, de 1183).
O imperador necessitava de um apoio espiritual superior ao papa, um suporte mental que desse legitimidade às suas pretensões de um grande Império contra o poder papal (Duffy, 1998: p.108-109). Preste João era a oportunidade que Frederico estava esperando. Através de uma série de confluências mitológicas, o imperador construiu uma “ponte” com Preste João, que, por sua vez, desembocava em Cristo. De que forma?
O Preste João tinha elementos que o projectavam até o nascimento de Cristo, mais especificamente na figura dos três reis magos, que, numa tradição oriental, seriam os seus ascendentes directos (Franco JR., 1994). Devemos então observar a ligação dos magos com Cristo.

OS TRÊS REIS MAGOS E JESUS CRISTO

Na tradição bíblica, o encontro dos magos com Jesus está no Evangelho de Mateus: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram magos do Oriente a Jerusalém, perguntando: “Onde está o rei dos judeus recém-nascido? Com efeito, vimos a sua estrela no céu surgir e viemos homenageá-lo”(Mt 2, 1-2).
O diálogo narrado deu-se entre os magos e Herodes. Alarmado, Herodes ordenou aos magos que se certificassem do nascimento. Maravilhosamente, a estrela os conduziu à casa de Jesus: “Eles, revendo a estrela, alegraram-se imensamente. Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o homenagearam. Em seguida, abriram seus cofres e ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonho que não voltassem a Herodes, regressaram por outro caminho para a sua região” (Mt. 2, 10-12).
O onírico novamente interfere nas acções humanas. Os magos, “do Oriente”, região por excelência “dos sábios astrólogos”, ofereceram os presentes paradigmáticos do “outro” mundo: ouro, incenso e mirra. Para os Padres da Igreja, simbolizam respectivamente a realeza, a divindade e a paixão (A Bíblia de Jerusalém, 1991: p. 1.839).
É interessante observar que apenas Mateus descreve o encontro com os magos. Marcos e João nada dizem; Lucas fala na presença de pastores (Lc, 2, 1-20). Essas diferenças podem ser historicamente explicadas? (Meier, 1992: p. 205-230). Possivelmente não. Por exemplo, salta aos olhos que na sua obra Joseph Meier não comente ou tente explicar a ausência dos Três Magos nos outros Evangelhos sinópticos.
Mas o mais importante neste ensaio é identificar o momento em que os magos entraram na casa de Jesus: simultaneamente. Esta tradição bíblica difere significativamente de outra tradição, oral, apócrifa, fixada por Marco Pólo (1254-1324) em seu Livro das Maravilhas. Nele, Pólo encontra seus túmulos, dá seus nomes (que não constam do Evangelho segundo São Mateus) — Baltazar, Gaspar e Belchior —; identifica a cidade de onde partiram para adorar o menino Jesus (“Sava”, actual Saveh, cem quilómetros a sudoeste de Teerão) (Marco Pólo. O Livro das Maravilhas, p. 64).
Por fim, narra o momento de encontro:
Chegando ao local onde havia nascido o Menino, o mais novo daqueles reis saiu da caravana e foi sozinho vê-lo, e verificou que era parecido consigo próprio, pois tinha a sua idade e estava vestido como ele; ficou assombrado o Rei Mago.
Logo a seguir foi o segundo Rei Mago, que era de meia-idade, e certificou-se do mesmo; aumentava a surpresa deles.
Finalmente foi o terceiro rei, que era o mais velho dos três, e sucedeu-lhe aquilo que tinha sucedido aos outros. Ficaram muito pensativos. Quando se reuniram, contaram uns aos outros o que tinham visto e maravilharam-se todos.
Decidiram, então, ir os três ao mesmo tempo, encontrando o Menino do tamanho e com a idade que lhe correspondia (pois não tinha mais do que três dias). Prostraram-se diante dele, oferecendo-lhe o ouro, o incenso e a mirra. O Menino aceitou tudo aquilo e em troca ofereceu-lhes um cofrezinho fechado. Os Reis Magos voltaram aos respectivos países” (Marco Polo. O Livro das Maravilhas, p. 58-59).
Os Magos são o “Cristo tripartido”. Nessa “genealogia mitificada e idealizada” da tradição oriental, eles são associados a Preste João, que assim descenderia do próprio Cristo (Franco JR., 1994). Mas e Frederico? Onde se insere nessa tradição mitológica que vai de Cristo a Preste João, passando pelos três Reis Magos?
A sua ligação é de reconhecimento, diplomático, real e imperial. A ele, ao imperador bizantino e ao papa Preste João se dirige. Frederico, através de seu tio Oto de Freising, traz o mito para si, como os reis magos e Carlos Magno, como força espiritual na sua luta por um império à frente dos demais reinos da Europa.
Assim, Frederico colocava-se na condição de maior representante da Cristandade, único digno de trocar correspondência com o descendente directo de Cristo. Estava dessa maneira acima de Alexandre III ou de qualquer outro que estivesse no cargo de Sumo Pontífice.
Frederico também se cercou de provas materiais. Aquando da tomada de Milão, o imperador apossou-se das relíquias dos reis magos, que se encontravam na cidade. Transferiu-as para Colônia, cidade alemã que também possuía muitas relíquias (Franco JR., 1994).
Paralelamente, promoveu a canonização de Carlos Magno (embora Carlos Magno não tenha sido santificado, foi incluído no rol dos bem-aventurados em 1165, isto é, aquele que desfruta após a morte uma felicidade celestial eterna. De qualquer modo, é o primeiro passo para a sua canonização). Assim, isso não significa um fracasso nas intenções de Frederico: o seu projecto de ter um antepassado real “santo” foi realizado. Foi uma forma de aumentar seu prestígio e a sua aura sacrossanta, através de um antecessor glorioso alçado à santidade. Esse “processo santificatório” só pôde ser levado a cabo pela falsificação de Oto de Freising.
No fim de sua vida reconciliou-se com Roma. A morte de Urbano III em 1187 facilitou as coisas; Gregório VIII (de Benevento, 1187) e Clemente III (romano, 1187-1191) mostraram-se amistosos com esse novo aliado na luta contra o Islão (Runciman, 1973: p. 23-24).
A sua inesperada morte a caminho da Palestina para a Terceira Cruzada, afogado — um rude golpe tanto para seus seguidores cruzados quanto para todo o mundo franco (Runciman, 1973: p. 28) — aumentou as lendas que cercaram sua figura. Para muitos, Frederico não tinha morrido; estava adormecido na montanha Kyffhauser, na Turíngia, pronto para voltar e trazer a glória do Sacro Império de volta. Uma lenda afirmava que podia-se ver a longa barba de Frederico crescendo através do mármore que o cobria. Um dia ele despertaria e faria de novo o Império ordeiro e poderoso. É interessante observar que a construção da imagem de Frederico como um unificador alemão não corresponde à realidade, pois o imperador fez grandes concessões senhoriais aos nobres alemães.
Foi nesse contexto político que “surgiu” historicamente Preste João. A Europa recebeu-o de braços abertos; em pouquíssimo tempo o mito ultrapassou a corte germânica para assumir as mais variadas texturas, até se deslocar para a África.

MARCO PÓLO E O PRESTE JOÃO

Mas antes que passemos da Ásia para a África, é necessário mostrar por que o mito mudou geograficamente de posição. Consideramos o testemunho de Marco Pólo essencial para delimitar esse marco.
No seu livro já citado, Pólo confirma a existência de Preste João na Ásia. Chegando a Karakorum, “cidade de três milhas de circunferência” na planície de Tangut, Pólo relata que o povo que vivia nessa região, os tártaros, não tinham rei, mas pagavam tributo a um senhor (Cã):
E era este o Prestes João, de quem falavam todos, no grande Império. Os tártaros davam-lhe uma renda de dez cabeças de gado (o dízimo). Mas o povo multiplicou-se, e, quando isto viu, o Prestes João decidiu dividi-lo por várias regiões, e enviar, para governá-las, alguns dos seus barões. (Marco Pólo. O Livro das Maravilhas, p. 92).
Nesta narrativa, Preste João governava um império de muitos povos. Os tártaros recusaram-se a obedecer às suas determinações; declararam-se revoltados, emigraram “para outro deserto” e elegeram o seu próprio rei, Gêngis Khan.
Quando se sentiu suficientemente fortalecido, Gêngis enviou emissários a Preste João, pedindo-lhe a sua filha como mulher. Este, ofendido, expulsou os mensageiros, dizendo-lhes: “Dizei ao vosso povo que o condeno à morte por ser traidor e desleal, e por ter a audácia de pedir a filha do seu senhor para mulher, e que eu o farei morrer de morte afrontosa” (Marco Pólo. O Livro das Maravilhas, p. 93).
Preste João considerava Gêngis Khan um vassalo e, portanto, indigno de ser seu genro. Gêngis organizou um exército para o combate “na grande planície chamada Tangut, que pertencia ao Prestes João, e ali aparelhou os seus cavalos, e eram tantos os homens que não podiam contá-los” (Marco Pólo. O Livro das Maravilhas, p. 94). Após uma consulta astrológica com dois cristãos — onde Gêngis Khan soube de sua vitória — deu-se o combate:
Durante dois dias, as duas hostes inimigas bateram-se duramente. E foi a batalha maior e mais encarniçada que jamais viu o género humano. Houve grandes perdas, duma parte e doutra, mas afinal venceu Gêngis Khan esta batalha, na qual morreu Prestes João (...) Contei-vos como os tártaros elegeram o seu primeiro grão-senhor e como venceram Prestes João. Agora falarei dos seus usos e costumes.
(Marco Pólo. O Livro das Maravilhas, p. 95).
Sem dor, sem lamentação. Assim Pólo narrou a morte do mito, esperança última da Cristandade na luta contra o Islão. Por quê?
Pólo é um homem novo num tempo ainda antigo. Está colocado na curva, virada de um tipo de mentalidade. Seus olhos estão direccionados para a frente, para a troca, o comércio. O mito faz parte do passado, é intransigente e unilateral. Pólo representa a multiplicidade, os dois mundos interagindo: é a alavanca para o desenvolvimento, afinal é veneziano...
Quando Pólo “mata” o mito, está contribuindo para essa transposição geográfica: na verdade, as pessoas ainda desejavam que Preste João existisse, o Ocidente ainda tinha como sinal paradigmático a cruzada.
A Europa ainda estava sendo pressionada militarmente pelo Islão, principalmente nas suas áreas limítrofes: o Império Bizantino e a Península Ibérica (que então estava no auge de seu processo de Reconquista). Preste João ainda era a esperança da abertura de uma segunda frente. Provavelmente por isso a sua transferência geográfica para a África.
O mito deslocou-se então da Ásia para a África no século XIV, mais precisamente para a Etiópia. Segundo Mollat (1990, p. 35), o primeiro a situar seu reino “ao sul do Egipto” foi o cartógrafo genovês Angelino Dulcert. O desconhecimento europeu em relação ao reino etíope, devido ao não-mapeamento das fontes do Nilo (porque por terra havia o Deserto do Sudão e o Maciço Etíope) também criava um clima propício ao desenvolvimento de lendas maravilhosas.
Conta uma delas que Makeda era a rainha de Sabá (Etiópia). Sabá seria o Reino de Aksum, mais tarde o Império da Etiópia, que ocupava o sudoeste da península arábica (Ki-Zerbo, s/d: p. 116). No entanto, a rainha de Sabá foi provavelmente a soberana de uma das colónias sabéias existentes na Arábia do Norte (A Bíblia de Jerusalém, p. 525). Portanto, não se considera hoje que Sabá correspondesse a Aksum.
De qualquer modo, maravilhada com as preciosidades trazidas do reino de Salomão por um mercador, a rainha de Sabá resolveu fazer uma visita pessoalmente:
A rainha de Sabá ouviu falar da fama de Salomão e veio pô-lo à prova por meio de enigmas. Chegou a Jerusalém com numerosa comitiva, com camelos carregados de aromas, grande quantidade de ouro e de pedras preciosas (...)
Quando a rainha de Sabá ouviu toda a sabedoria de Salomão (...) ficou fora de si e disse ao rei: “Realmente era verdade quanto ouvi na minha terra a respeito de ti e da tua sabedoria (...) Felizes das tuas mulheres, felizes destes teus servos, que  estão continuamente  na  tua  presença  e ouvem a tua sabedoria (...)
O rei Salomão ofereceu à rainha de Sabá tudo o que ela desejou e pediu além dos presentes que lhe deu com munificência digna do rei Salomão  (o grifo é nosso). Depois ela partiu e voltou para sua terra, ela e seus servos” (1 Rs, 10, 1-13).
O final dessa passagem bíblica permite uma aproximação com a tradição apócrifa: Makeda é seduzida por Salomão, dá a luz um filho chamado Menelike, que será sagrado rei por Salomão “e voltará com um grupo de jovens notáveis à Etiópia, não sem terem subtraído a arca da Santa Aliança, para a honrarem em África” (KI-ZERBO, s/d: p. 116). Assim se inicia uma dinastia salomónica na Etiópia, conferindo-lhe uma condição mítica que desembocará na lenda de Preste João no século XIV.
No século IV o reino etíope de Aksum converteu-se ao cristianismo pelas mãos de Fromentius, monge sírio sagrado bispo e chefe espiritual da Etiópia por Santo Atanásio, patriarca de Alexandria (KI-ZERBO, s/d: p. 118). Atanásio havia afirmado que a humanidade de Cristo estava absorvida na sua divindade — proposição de unidade da natureza de Cristo (monofisismo) — e foi condenado pelo Concílio de Calcedónia (451). A Igreja etíope é, portanto, herética e cismática, seguindo o rito litúrgico e o calendário copta egípcio, além de certos costumes sincréticos, como, por exemplo, “danças arrebatadas, tambores, sacrifícios de cabras (...) interdição de entrar na igreja no dia seguinte a relações sexuais e a observação do sábado em vez do domingo resultam da prática judaica” (Ki-Zerbo, s/d: p. 118).
É mais uma aproximação à lenda de Preste João, que também era herético.

PRESTE JOÃO NA ÁFRICA

O avanço do Islão chegou à Etiópia.
Alguns companheiros de Maomé, fugindo da aristocracia coraixita (originalmente da tribo dos Quraish, do norte da Arábia, uma importante comunidade comercial de Meca. Lewis, 1990: p. 40-41), refugiaram-se em Aksum, em 615, instigados pelo próprio Profeta, que teria lhes assegurado: “Se fordes para a Abissínia (...) encontrareis um rei sob o qual ninguém é perseguido. É uma terra de justiça, onde Deus trará o repouso às vossas tribulações” (
Ki-Zerbo, s/d: p. 152).
Nessa tradição, a Etiópia também é a terra das maravilhas, como na descrição do reino de Preste João. Mas a pirataria etíope no Mar Vermelho e suas razias nas costas árabes (os etíopes pilharam Jeddah, porto de Meca, em 702) levaram o Profeta, segundo outra tradição, a dizer: “Evitai toda a querela com os Etíopes, porque eles receberam em herança nove décimos da coragem da humanidade” (Ki-Zerbo, s/d: p. 153).
É mais uma oralidade que ajuda a conexão com Preste João: agora, os etíopes são os inimigos dos árabes, portanto, amigos da Cristandade. O início da dinastia Zagwés no século XII não interromperia o carácter maravilhoso da Etiópia iniciado desde a visita da rainha de Sabá a Salomão: segundo alguns autores, esta dinastia seria uma descendência salomónica por via de Balkis, uma das criadas de Makeda, rainha de Sabá (Ki-Zerbo, s/d: p. 155).
Assim estava preparado o terreno para a chegada do reino de Preste João directamente da Ásia. Principalmente porque a Etiópia já possuía seu santo católico: Lalibela, da dinastia zagwé, rei piedoso que fundou inúmeros igrejas e mosteiros (Ki-Zerbo, s/d: p. 153).
Após a geografização do maravilhoso feita pelo cartógrafo genovês Angelino Dulcert, temos notícia do encontro em Nápoles de um dominicano de origem siciliana, Pedro Ranzano, com um embaixador do soberano etíope negus, de nome Pedro Rambulo. O título oficial do imperador era Rei dos Reis (Negusa nagast), que se explicava pelo grande número de príncipes da periferia do império que lhe reconheciam laços de vassalagem. Tais laços eram frequentemente consagrados através do casamento do rei etíope com princesas árabes, em detrimento da monogamia cristã. Embora essas princesas fossem obrigadas a converter-se, aconteciam casos de regentes filhas de príncipes muçulmanos, como, por exemplo Helena, princesa que recebeu uma delegação portuguesa em 1520. A parte central do império estava sob a autoridade absoluta dos negus (Ki-Zerbo, s/d: p. 229).
Este embaixador estava em missão junto ao rei de Aragão, em 1450. Afirmou que seu rei era o verdadeiro Preste João, descendente directo da rainha de Sabá, e que o seu reino havia sido evangelizado pelo apóstolo Tomás (Mollat, 1990: p. 37).
Além de transferência geográfica, percebe-se aqui outro elemento mítico: o nome Preste João começa a se tornar um título, intemporal. Assim, o “nome se pereniza (...) mais conveniente para a lenda” (Braga JR., 1994: p. 20). Preste João é sempre um rei, sacerdote, chefe religioso, inimigo do Islão (pelo menos em teoria).
A Europa receberia muitos embaixadores etíopes a partir de então, mas nenhum com descrição tão precisa quanto Ranzano. As relações tornaram-se mais sólidas com a fundação do Colégio Etíope, em 1474, pelo papa Sixto IV (de Savona, 1471-1484) e duas missões de Battista d’Imola (em 1482 e 1484) (MOLLAT, 1990: p. 37).

A “MORTE” DO MITO

No tempo do rei Lebna Denguel (Incenso da Virgem) (1508-1540) (Ki-Zerbo, s/d: p. 57), a regente Helena, uma princesa muçulmana convertida, mandou um mensageiro a Portugal, Mateo, o Arménio, durante uma série de escaramuças do reino etíope com as potências islâmicas da costa. Uma embaixada portuguesa foi enviada em 1520. No entanto, parece que os portugueses foram acolhidos sem entusiasmo, pois Lebna Denguel teria ficado decepcionado com os magros presentes provenientes da Europa. Ainda, quando lhe mostraram num mapa o pequeno Portugal em comparação com seu reino (cuja extensão era exagerada por causa das técnicas de representação cartográfica), Lebna Denguel encheu-se de orgulho e ficou consternado com o fato dos reinos cristãos recorrerem às armas. De qualquer modo, aceitou ceder Massawa como base naval a Portugal e prometeu a sua aliança contra os Muçulmanos. Por sua parte, pediu artesãos e médicos (Ki-Zerbo, s/d: p. 57).
Na embaixada portuguesa encontrava-se Francisco Alves, padre e e capelão. Devemos a ele a primeira descrição do Preste João. Ele foi o primeiro cristão a "ver", e, por conseguinte, "matar" o mito:
Se abriram as cortinas e subitamente vimos o Preste João, ricamente adornado sobre uma plataforma de seis degraus. Tinha em sua cabeça uma grande coroa de ouro e prata. Uma de suas mãos apoiava uma cruz de prata (...)
À sua direita, um pajem apoiava uma cruz de prata bordada em forma de pétalas (...) O Preste João usava um belo vestido de seda com bordados de ouro e prata e uma camisa de seda com mangas largas. Era uma bela vestimenta, semelhante a uma batina de um bispo, e ia de seus joelhos até o chão (...)
A sua postura e seus modos são inteiramente dignos do poderoso personagem que é. (Mollat, 1990: p. 39).
O surgimento do mito é uma correspondência mental com a realidade. O mito é uma das formas da consciência humana, “o exame dos mitos ilumina a estrutura dessa consciência” (Mora, 1982: p. 266). A sua efervescência mostra uma tomada de atitude, sua aceitação aponta em direcção do anseio colectivo, personificação do fabuloso na forma do reino imaginário, distante e inatingível. A sua inexistência física amenizava os desgastes dos personagens concretos, talvez por isso “seu conteúdo mítico e sua longa duração” (Franco JR., 1994).
Acreditar em Preste João foi, para o homem dos séculos XII-XV, a esperança da cruzada, um motivo para permanecer lutando, reconquistando. É esse espírito belicoso que sempre insiste em renascer de nossas entranhas, mesmo com todo o racionalismo delirante que cresce, século após século. É parte de nós.

Portugueses na Birmânia

E da Abissínia vamos até à Birmânia ou Myanmar onde os Portugueses também  andaram (facto igualmente esquecido hoje) 
... O nosso Fernão Mendes Pinto voltou para Malaca, onde estava o seu capitão. E, ao serviço dele, começou uma nova aventura. Tantos caminhos fez, tantas guerras viu e tantos países, que é impossível contá-lo. O seu capitão enviara-o à cidade do Martavão no golfo de Bengala. Ali foi aprisionado e feito escravo com os seus companheiros por um general do rei da Birmânia. Subindo o Ganges e o Bramaputra acompanharam este general até à capital do Calaminhão (Tibete?), observando as suas extraordinárias práticas religiosas. Sucedem-se batalhas, os cercos, as marchas de exércitos em que os soldados se contam às centenas de milhar, as revoltas, as traições, os suplícios, no país devastado pela Guerra. Até que um dia, aproveitando a confusão de uma batalha, os nossos Portugueses escapam-se. E, descendo numa jangada os rios que correm para o golfo de Bengala, puderam encontrar transporte para Goa.
 As armas, as especiarias, a cruz e o amor são factores importantes para a fixação do homem luso no Oriente.
Assimilou-se a outras etnias com facilidade. Não abandonou os filhos que as mulheres lhe deram, com quem casaram debaixo dos preceitos da Igreja Católica. Formaram comunidades luso-descendentes, que ainda estão vivas, em Malaca e Singapura, adaptaram-se ao meio que os acolheu. Foram amados pela magia da submissa mulher oriental.
Miguel Castelo Branco escrevia recentemente:
O homem português na Ásia nunca esqueceu a pátria que os viu nascer. O berço que lhes tinha sido madrasto, aliás o tinha sido para os portugueses quinhentistas. Pela ironia do destino a migração continuou por séculos mas fica-lhe para sempre na mente e no coração o amor pátrio. Transmitiu o seu Portugal à família constituída. Estivesse no Sudeste Asiático ou no Japão. Podemos tomar o exemplo de Venceslau Morais, no seu exílio nipónico que embora tivesse escrito e enviado dezenas de cartas e postais ilustrados a Francisca Palu, para Nelas (Beira Alta), nunca referiu a Francisca a intenção de regressar a Portugal. A memória do Cônsul de Portugal em Kobe, no longínquo país do Sol Nascente, ficou para sempre nos anais das relações culturais entre Portugal e o Japão, depois da sua morte.
Fernão Mendes Pinto, quando regressou a Portugal, pobre como um Jó, apelidado de mentiroso, quando apoquentado pela nostalgia do Oriente, quase no fim da sua vida, sentava-se na margem do Tejo, esperando as caravelas, de velas desfraldadas ao vento, com a Cruz de Cristo, para que as tripulações lhe transmitissem coisas do Oriente. Pinto, o imaginário, "aldrabão" na mentalidade dos portugueses da época e acossado pela "gadanha" da censura, demolidora, da Santa Inquisição, reportou as realidades do Oriente como nenhum português, até hoje, as escreveu na sua Obra, em dois volumes a "Peregrinação".
Os portugueses chegados ao Sudeste Asiático, não fugiram à regra da época. São humildes, ordeiros, fiéis aos Reis que servem, como soldados mercenários, fossem estes do Sião ou do Pegú (Birmânia). Lutaram homens lusos, irmãos de sangue, em campos adversos, embrenhados na poeira provocada pelas patas, as bestas de guerra, dos elefantes. Milhares envolvidos como se fossem tanques nas guerras contemporâneas... Os gemidos desses portugueses, feridos na peleja, encontraram o apoio moral e espiritual do irmão, inimigo, no campo de batalha em Lam-pang. Passados 450 anos, da coragem dos soldados portugueses e talvez a única no mundo, o feito, ainda se encontra na memória dos lampanguenses. A seiscentos quilómetros de Bangkok, os canhões portugueses, estão expostos num jardim público na cidade de Lampang, no Norte da Tailândia, num fortim, no templo Budista, "Prakaew Dao Tao".
No museu, do mesmo templo, estão duas armas ligeiras da grande peleja... O templo, para a sua melhor defesa, foi murado e no cimo destes foram montadas as tradicionais e bem conhecidas ameias portuguesas que trazidas para o Bangkok moderno, foram imortalizadas no Grand Palace, na Montanha Dourada, e em outros sítios que ficam para sempre: Monumentos de Portugal na Tailândia. ©José Gomes Martins
  Ora, se na evangelização portuguesa houve, não o duvidemos, uma forte componente joaquimita – milenarista e redentorista, bem presente na visão de D. Manuel I – tal permitiu, sem paradoxo, desvelar a unidade da humanidade na multiplicidade dos povos, crenças, substratos culturais e linguísticos. Os outros, calvinistas e puritanos, exclusivistas e sem anelo predicador, ativeram-se ao trato comercial antes de lançarem os caminhos-de-ferro e o telégrafo.
Se das colonizações britânica e holandesa nasceram estados, da colonização portuguesa nasceram comunidades de afecto. Não se trata  de um mero topos, este de enfatizar o carácter distintivo das relações portuguesas com a Ásia: Ásia do Sul ou subcontinente indiano; as Índias Orientais e o sudeste asiático; o extremo-oriente. Em primeiro lugar, posto não existir correspondência directa entre o “Estado Português da Índia” e a presença portuguesa, poderemos falar de uma presença multimodal, fluida, quase informal, tão diferente daquela praticada pelas companhias dos povos comerciantes. Tivemos o cartaz, praticamos o monopólio, tentando destruir a concorrência. Tudo isso é claro, mas estávamos em todo o tablado pois contávamos com fidelidades regionais que extravasavam largamente o interesse diplomático, comercial e político da coroa.
A língua portuguesa era língua franca, “portugueses” eram todos os que professassem a fé católica, amigos e aliados todos os que aceitassem, enriquecendo, um quinhão nessa comunidade continental de comércio, favores, acolhimento e protecção. As “lusotopias” não eram da Coroa: eram das comunidades que se formavam, cresciam e prosperavam na liberdade dos concelhos, na unidade religiosa das igrejas e na entreajuda das misericórdias. Estas lusotopias resistiram aos ventos e tempestades da história. Teimosamente, mantiveram a língua, os costumes, a memória da linhagem: na Birmânia, no Sião, na Malásia, na Indonésia há populações que orgulhosamente afivelam o nome de Portugal. Os outros passaram. Nós ficámos, estamos lá, sem subsídios, sem apoios e sem estímulo do Portugal distante, abúlico e “europeu”, um Portugal que regrediu para uma visão tardo-medieval da esfera de contactos internacionais: a Antuérpia e Bruxelas, a costa da Guiné e pouco mais.
Disse há tempos o Professor António Vasconcelos Saldanha que Portugal é, para os asiáticos, uma “potência histórica”, com tal luminosa expressão pretendendo definir o peso e permanência do nome de Portugal na diversidade de sentidos que apontámos. Querem hoje fazer crer aos portugueses jamais terem estado na Ásia, ou, pior, fazer crer que a “Ásia Portuguesa” se limita a Goa, Macau e Timor. Tamanho disparate tem criado atritos diplomáticos e reduzido ao limite da caricatura a verdadeira expressão da presença portuguesa nas Ásias. Felizmente, a “Ásia Portuguesa” está bem para além das Portas do Cerco, do bazar de Díli e dos ananizados limites de Goa. Pede-se hoje, no limiar de um século que será o século chinês, que os decisores de Lisboa abram os olhos e consigam tirar partido dessa imensa vantagem que foi, é e será se o quisermos, a grandeza do nome de Portugal em terras da Ásia.
© Miguel Castelo Branco
http://www.alamedadigital.com.pt/n1/portugueses_oriente.php
 Em 1511 a cidade de Malaca era um centro económico transbordante de riqueza do Sudeste Asiático. O Sultão que a governava foi mandado para o exílio depois de Albuquerque a conquistar facilmente.

O talentoso e ilustre diplomata, sonha e quer chamar à realidade a fundação do vasto império português na Ásia. Conquista Ormuz, junto ao estreito que liga o Oceano Indico com o Golfo Pérsico, em 1507 e, definitivamente, Goa em 1510. O Mar Vermelho, nas costa da Arábia e Norte de África, já esta na posse da navegação portuguesa o controlo marítimo em direcção ao Mediterrâneo. As embarcações do Império Otomano que transportavam a mercadoria de Malaca pelo Golfo Pérsico e Mar Vermelho, depois de vários embates nessas águas com os navegantes lusos, já não assustam Afonso de Albuquerque.
Pretende ir mais além: o senhorio absoluto do comércio da Costa do Coramandel, na Baía de Bengala, Reino do Pegú (Birmânia), Malaca, Samatra e Reino do Sião. No pensamento do grande português, estavam noutras terras no Sul dos mares da China estendendo-se até ao Japão. Outros portugueses, depois lhe seguiram a linha do seu pensamento e obviamente animados pela coragem e inspirados pelos feitos anos não muito distantes. Albuquerque não é apenas um guerreiro indomável. É um diplomata, negociador, inteligente que prefere tratar dos assuntos pacificamente que o servir-se das armas. Não pretende conquistar países, deseja sim, apoderar-se dos grandes pontos estratégicos de permutas e comércio onde todos: "gregos e troianos" vivam na melhor das harmonias. De forma alguma que perder embarcações e homens em lutas desnecessárias. Fazem-lhe falta, para a concretização do seu objectivo - a administração do empório de Malaca.
À península malaia chegam: têxteis da Índia, sedas e cerâmicas da China, cravo das Molucas, noz-moscada de Banda, papel de arroz de Samatra, cânfora do Brunei, madeira de Sândalo de Timor, pau-santo, benjoim, chifres de Rinoceronte, marfim, pérolas, carpetes, adagas, batiques de Java. Os mercadores árabes do Cairo, Meca, Adem, Ormuz e da África Oriental, chegavam a Malaca com as embarcações carregadas de armas, tapeçarias, talheres de cobre, ópio, água de rosas, estoraques e incenso. Corante azul da costa oriental da Índia (Coramandel). Juncos chineses aportavam a Malaca com seda em bruto para manufacturar em vestidos brocados em relevo, drogas aromáticas, coralina e marfim.
Do reino do Sião aportam, todos os anos, 30 barcos com carregamentos de laca, madeira de teca, pedras preciosas, roupas rudimentares siamesas, pimenta, metais diversos que permutam por escravos ou por mercadorias que não produziam.
Da Birmânia arroz, diversos produtos agrícolas, rubis, estanho e prata.
De Palembanque em Samatra, escravos, produtos da floresta, entre eles as ervas medicinais e produtos alimentares conservados.
A presença portuguesa foi particularmente forte nesta região nos século XVI e XVII, sobretudo em Pegú. Entre as grandes feitorias que os portugueses tiveram na região, destaca-se a de Serião (1599-1613). Muitas palavras birmanesas são de origem portuguesa: Lelain - Leilão; Tauliya - Toalha; Natatu - Natal; Balon - Bola, Balão, Waranta - Varanda, etc. In Carlos Fontes
http://lusotopia.no.sapo.pt/indexOP.html
. Um interessante guia para a Birmânia (além do sempre útil Lonely Planet Myanmar/Burma, edição de 2005), e do Guide du Routard, foi o essencial Further India de Hugh Clifford (edição White Lotus Co., Bangkok 1990, 378 páginas). Publicado pela primeira vez em 1904, o autor, acérrimo defensor do sistema colonial britânico, descreve de um modo isento para a época, a epopeia do desbravamento destes territórios por parte dos ocidentais, desde a chegada dos árabes, dos primeiros conquistadores portugueses como Albuquerque e outros (the Filibusters), dos primeiros exploradores com nomes totalmente desconhecidos para a maioria dos portugueses, nomes como os de António de Faria, António de Miranda, Duarte Fernandes, Ruy de Araújo, Francisco Serrano, António de Abreu, Pedro Afonso de Loroso, e o conhecido Fernão Mendes Pinto, dos grandes exploradores franceses como Mouhot e o famoso Fancis Garnier a quem se atribui erradamente a descoberta dos templos de Angkor Vat, dos holandeses e finalmente dos inúmeros ingleses.
O termo de flibusteiros aplicado aos primeiros exploradores portugueses, tem a sua razão de ser pelo facto de serem, de todos os povos que exploraram o sueste asiático, os portugueses os únicos que construíram fortes, impuseram a sua religião, e comercializaram pela força. Até à chegada dos portugueses, eram os árabes os únicos cuja influência se alastrava até ao oriente, e estes tinham como princípio nunca se imiscuir na política local. O sucesso dos holandeses e ingleses que vieram depois deveu-se simplesmente ao facto de só quererem o comércio, nunca as terras nem as almas das gentes. A colonização veio depois...
Essa perspectiva é nova, para aqueles que nasceram e cresceram no mundo paroquial da epopeia quinhentista da História de Portugal do Adolfo Simões Mueller. Muitos sentem-se ainda hoje afrontados ao lerem opiniões sobre Vasco da gama diferentes das que o ensino oficial durante a Ditadura inculcou nos jovens portugueses.
Como acontece com a Birmânia, também a religião predominante e o alfabeto tailandês (embora a religião seja a mesma, os dois alfabetos são distintos, embora de inspiração comum) servem de prova de que houve uma influência cultural indiana forte durante o primeiro milénio, embora os primeiros relatos históricos só comecem no Século X. Tal como os magiares na Hungria vão buscar as suas origens às estepes asiáticas, também o santuário original dos thais fica na China, na província de Yunão, de onde eles se começaram a deslocar lentamente para Sul entre os Séculos X e XII desalojando e pressionando o reino da civilização khmer para sudeste e para o actual Camboja. No século XIII surgem os primeiros principados importantes e em 1350 o príncipe que funda uma capital central em Ayuthia (a fazer lembrar o exemplo moscovita por essa mesma altura) acaba por ganhar a supremacia num território que, pela configuração, representa o embrião da actual Tailândia, embora naquela altura se chamasse Sião.
Tornou-se um reino com um elevado grau de sofisticação, como os portugueses vieram a descobrir quando se tornaram sua potência vizinha, ao conquistarem Malaca em 1511, altura em que o Sião esteve envolvido numa luta épica com os birmaneses que terminou por vencer nos finais do Século XVI. Do contacto ficou a norma, que perdurou por mais de 300 anos, da corte siamesa empregar o português como idioma diplomático, para desconcerto do embaixador norte-americano que ali apresentou credenciais no Século XIX. Mas a infiltração europeia acabou por ser bloqueada com a expulsão de todos os comerciantes europeus da capital e do fecho das feitorias em 1688.
Os conflitos entre tais e birmaneses reacenderam-se no Século XVIII, com vantagem para os segundos que conquistaram e destruíram a capital siamesa em 1767. Mas o estado veio a recompor-se em 1782 na pessoa de um general que se veio a coroar (é o fundador da dinastia actual) e que fundou Bangkok, a nova e actual capital da Tailândia, a pouca distância da anterior. Expulsos os birmaneses para Oeste e dada a fraqueza progressiva dos Khmers, o Sião acabou por descobrir um novo inimigo histórico nos vietnamitas com quem houve alguns choques durante a primeira metade do Século XIX. No entanto a área de influência siamesa teve de recuar substancialmente com a chegada dos franceses à Indochina (1859), com as suas fronteiras orientais a só ficarem definidas em 1910.
No ano de 849 d. C. os habitantes que chegaram aquelas terras criaram um reino cuja capital era Pagan agora denominada Bagan. Este reino, liderado por Anawrahta atacou a cidade Mon de Thaton em 1057. Aquilo que é hoje o território de Myanmar está unificado desde os tempos do reinado de Pagan. Em 1277 o último verdadeiro governante do reino, Narathihapate, sentiu-se suficientemente forte para atacar os mongóis na batalha de Ngasaunggyan, mas acabou por ser derrotado e o reino acabaria por se desintegrar no reinado do seu filho na batalha de Pagan em 1287 ficando a ser administrado por um governado mongol.
O que fora o reino de Pagan desmembrou-se e estabeleceu-se a dinastia Ava na cidade do mesmo nome em 1364 tendo ressuscitado grande parte da cultura de Pagan. Mantiveram-se porém os confrontos com outras dinastias como as Ming ou do Sião. Em 1527, os povos Shan destruíram a dinastia  Ava, não obstante as suas fronteiras fossem fáceis de defender.
Os povos Mon que sobreviveram estabeleceram-se em Martaban e depois em Pegú. Durante o reinado de Rajadhirat (1383-1421) os Pegú estiveram em guerra constante com os Ava. A rainha de Pegú, Baña Thau (1453-1472) levou o seu povo a uma paz duradoura e nomeou como seu sucessor, o monge budista Dhammazedi (1472-92) que converteu as suas gentes ao Budismo Theravada. A governação deste monge seria a última do povo Pegú.

Pouco antes do desaparecimento da dinastia Ava, o rei Mingyinyo fundou a dinastia Toungoo (1486-1599) na cidade do mesmo nome. Com o desaparecimento dos Ava os seus habitantes mudam-se para Toungoo e fazendo desta dinastia uma sucessora dos Ava.
O seu herdeiro, Tabinshwehti (1530-1550) viu como Ayutthaya se tornava num importante reino numa área que mais tarde se tornaria no Sião. Os europeus tinham, entretanto, chegado transformando esta região num importante centro comercial.
Tabinshwehti reunificou o que agora é Myanmar e o seu cunhado Bayinnaung (1551-81) conseguiria grandes conquistas, incluindo todo Ayutthaya mas as rebeliões e as incursões portuguesas levariam a que a dinastia, agora sediada em Pegú se movesse para o norte e fundasse uma segunda dinastia Ava ou Dinastia Restaurada Toungoo (1597-1752), cujo expoente máximo foi o reunificador neto de Bayinnaung, Anaukpetlun, em 1613. foi este que infligiu uma pesada derrota aos portugueses evitando os seus avanços em Myanmar.
O fim desta dinastia, chegou em 1752, após várias rebeliões dos Pegú. Estes seriam, por sua vez, expulsos em 1753 na dinastia Konbaung formada por birmanes (aparentados com os Ava), reconquistando enormes territórios e aniquilando os Mon enmquanto repeliam os Chineses. Em 1824 o rei Bagyidaw conquistou Assam assim despertando a inimizade dos hindus e dos britânicos, que após várias guerras proclamavam um Protectorado Britânico em 1886 com capital em Rangum.
Voltemos ao tema da presença portuguesa.
Jorge Morbey escreveu ao então Presidente Jorge Sampaio de Portugal uma longa missiva da qual extraio alguns excertos:
Como referiu o Arcebispo Emérito de Mandalay, na Birmânia, U Than Aung - descendente de portugueses - onde a maioria do clero católico é de origem portuguesa e cuja Comunidade tem as suas origens na cidade de Pegú no ano de 1600, quem nunca recebeu a mais ténue manifestação de solidariedade de Portugal nada tem a esperar daí. Na verdade, o que poderão as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente esperar de Portugal? O poder colonial inglês não descolonizou as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente, no sentido de restituir dignidade à sua identidade, de que a língua crioula faz parte integrante, o que, aliás, não era de esperar. Nem é de esperar que os poderes pós-coloniais de motu proprio venham a dedicar-lhes a atenção a que têm direito. A incapacidade de Portugal nesta matéria tem sido uma evidência secular, filha da ignorância e do preconceito.

A pequena Cristandade Crioula Lusófona de Korlai [junto a Chaúl], na Índia, somente em 1982 seria revelada ao Mundo pelo etnólogo romeno Laurentiu Theban. O seu crioulo é designado por Kristi.
A Cristandade Crioula Lusófona da Birmânia – Myanmar actualmente – já não usa a língua crioula e, ao contrário das demais, perdeu com o tempo os próprios nomes e apelidos cristãos, apesar de permanecer fiél à religião católica.
As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente - gente simples e temente a Deus - mantidas na ignorância dos conflitos entre Portugal e a Santa Sé, lutaram anos sem fim contra as novas autoridades eclesiásticas com quem conflituavam abertamente e às quais consideravam estrangeiras. Durante décadas pagaram o elevado preço de lhes serem recusados os sacramentos a que só esporadicamente tinham acesso quando aportava um navio com um sacerdote, ainda que espanhol. Clamaram sempre pelo envio de clero. De Portugal, de Goa ou de Macau. Em vão.
A firme identidade das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente, ainda hoje, evita o casamento dos seus membros com indivíduos exteriores a elas e prefere que os futuros cônjuges provenham do seu seio ou de outras cristandades, ainda que distantes. Quando assim não acontece e o casamento une um membro da Comunidade a alguém que a ela não pertence, a regra é a conversão deste à religião católica e a aprendizagem da língua crioula.

Algumas dessas comunidades desfrutam de um status social positivo nos países onde vivem. Outras, porém, são socialmente desqualificadas e os seus membros são depreciativamente designados por “negros”, apesar da sua cor mais clara - da pele, do cabelo e dos olhos - relativamente aos naturais com outras origens étnicas.
A nível individual, nos países onde vivem, podem encontrar-se membros originários destas comunidades nos mais elevados estratos da sociedade: do mundo da política à actividade empresarial próspera, nas mais elevadas funções da hierarquia eclesiástica ou simples párocos de aldeia. Onde se verifique a existência de uma significativa percentagem de membros destas comunidades no clero católico, isso parece resultar da intensa discriminação de que são objecto no acesso ao ensino público e ao mercado de trabalho – público e privado. Em geral, dedicam-se a actividades modestas. São pequenos proprietários, simples trabalhadores agrícolas ou pescadores.
A abertura dos mares à navegação de outros países europeus, além de Portugal e de Espanha, foi o resultado da perda do exercício do poder central europeu pela autoridade pontifícia - que vigorava desde a queda do Império Romano - por acção da Reforma iniciada com Martim Lutero. A transferência de domínios entre países europeus – de Portugal católico para a Holanda protestante, principalmente - constituiu o pano de fundo em que emergiram as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente.
Com a substituição da dominação portuguesa pela holandesa, permanecendo nas terras que as viram nascer, deportadas para outras paragens, ou forçadas à emigração, essas comunidades mestiças talharam a sua identidade própria que perdurou até aos nossos dias, assente em dois pilares principais: a religião católica e a língua crioula. A religião católica fora trazida pelos portugueses, directamente de Portugal ou através de Goa – a Roma do Oriente. Convertidos ou nascidos nela, com ela haveriam de morrer, geração após geração.
  A sua língua – o crioulo - era a língua portuguesa na formulação que lhe garantira o estatuto de língua franca no litoral da Ásia e da Oceania, desde o Século XVI até à sua substituição pelo inglês, no Século XIX. Holandeses, ingleses, dinamarqueses e franceses não podiam prescindir de um “língoa” [intérprete] a bordo para poderem comerciar nos portos do Oriente, na língua que era - nada mais, nada menos – aquela que as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente falavam e, muitas delas, ainda falam. Tratados, entre esses países europeus e poderes locais, foram firmados nessa mesma língua, por ser a única a que os europeus podiam recorrer para comunicar no Oriente, ainda que contra os interesses portugueses.
Ainda hoje, em muitas partes deste lado do Mundo, “Cristão” [Kristang] e “Português” [Portugis] são sinónimos.
A forte identidade das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente cimentou-se em grande parte na adversidade. O conflito religioso nascido na Europa, entre católicos e protestantes, ramificou-se por todas as paragens do Oriente onde o poderio holandês se firmou. A profanação e a destruição de igrejas e mosteiros, a expulsão dos padres, a proibição de qualquer acto de culto católico, as deportações maciças, a redução de muitos à condição de escravos, compeliram os membros dessas cristandades à clandestinidade e à emigração: Macau, Índia, Insulíndia, Sião e Indochina foram os seus destinos principais.
Os que teimavam em ficar, escondidos em suas casas ou refugiados nas florestas, celebravam como podiam os actos de culto da religião católica. Sem padres e sem igrejas, organizaram-se em irmandades clandestinas que, ao fim de décadas, produziram fenómenos de cristalização cultural, de natureza religiosa - e linguística – que impediriam, por séculos, a sua plena integração nas paróquias criadas posteriormente. Tais irmandades permaneceram até aos nossos dias e conservam determinadas prerrogativas que limitam a autoridade dos párocos, o que é visível em algumas celebrações onde os sacerdotes se limitam à Eucaristia e à Confissão dos fiéis porque, em tudo o mais, quem manda é a Irmandade.
À medida que a dominação holandesa foi sendo substituída pela inglesa, as Comunidades Crioulas Lusófonas do Oriente foram ficando menos oprimidas e, em alguns casos, foram as próprias autoridades coloniais britânicas a tomar a iniciativa de lhes facultar padres portugueses.
Perdida a confiança que a Santa Sé depositara desde o Século XV em Sua Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal, na sequência do corte de relações diplomáticas por iniciativa do Governo liberal em 1833 e a extinção das ordens religiosas por decreto de 31 de Maio de 1834, o Padroado Português do Oriente sofreu um golpe mortal, na Índia, no Ceilão - hoje Sri-Lanka -, no Sudeste Asiático, na China e na Oceania. Permanecendo - os que podiam - nas suas missões, os missionários religiosos do Padroado não seriam substituídos pelos seus confrades. O clero secular de Goa, numeroso e bem preparado, acorria em socorro das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente que iam ficando sem religiosos. Quase sempre em vão. Os missionários da Propaganda Fidae e das Missions Étrangères de Paris já as ocupavam e os respectivos vigários apostólicos impediam-lhes o exercício do seu múnus. A expansão missionária francesa no Oriente começara ainda no século XVII.
Mas a língua crioula falou-se também nas Cristandades Crioulas Lusófonas da Tailândia – Ayutia ou Ayutthaya e, posteriormente, Banguecoque - até aos anos 50 do Século XX, onde permanecem vocábulos de uso corrente no relacionamento familiar e nas práticas da religião católica. Na Indonésia, além de Java, na ilha das Flores [Larantuka e Sikka], nas ilhas de Ternate e Tidore e em Bali. Em Timor [Lifau e Bidau]. No Bangladesh - Chittagong e Dhaka – até aos anos 20 do século XX era muito viva a presença da língua crioula nas Cristandades locais. Em Dacca existe vocabulário crioulo entre os católicos locais. © Jorge Morbey
Por isso tudo o que atrás ficou dito recordo um grande universalista português.
No último canto de “Os Lusíadas”, o décimo, o grande épico da língua portuguesa escrito por Camões, Vasco da Gama, o almirante herói, é recebido pela deusa Tétis na Ilhas dos Amores. Lá, naquele espaço encantado, ela lhe descortinou a Máquina do Mundo, a visão do Cosmo e dos continentes da terra recém descoberta pelos feitos dos lusos, cena que coloca o poeta português como quem por primeiro, no campo das letras europeias, percebeu os efeitos irreversíveis da globalização que então dava os seus primeiros passos.

 

 


"Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea elemental, que fabricada
Assim foi do Saber, alto e profundo,
Quem é sem princípio e mete limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e superfície tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende"
(Canto X, 80)

É então que a deusa, abrindo os braços para enfatizar a amplidão de tudo aquilo, a magnitude do reino augusto, aponta ao Gama as mais diversas regiões do mundo. Povoam-na “gente sem lei”, a bruta multidão, “bando espesso e negro de estorninhos”, do império do Benomotapa (o Zimbabwe de hoje) à Taprobana (o actual Sri-Lanka). Todos eles estão a espera da chegada da cruz, desenhada na vela principal da nau dos argonautas lusitanos. Mostra-lhe então o Mar Vermelho, o Monte Sinai, a secura dura e arenosa da Arábia, o Rio Tigre o Eufrates, o planalto dos cavaleiros da Pérsia, o estreito de Ormuz, o Sind, a terra dos Brâmanes onde São Tomé tentara a conversão dos gentios, o Rio Ganges e o Indo, a terra da Birmânia, o império do Sião, a Ilha de Sumatra, a ponta estreita de Singapura, o Camboja e o rio Mekong (no qual Camões naufragou mas salvou os versos). Em seguida, margeando com os olhos a costa da Cochinchina (o Vietname de hoje), mostrou-lhe a China e mais longe ainda o Japão, regiões de onde vinha a maravilhosa seda e o ouro fino. De tudo aquilo desprendiam-se o aroma do cravo, da noz-moscada, do licor perfumado do benjoim, do coco do mar, do incenso da mirra e do precioso âmbar, de onde se extraem fragrâncias mil.
Tétis, então, voltando-se para o outro lado da Terra, apontou-lhe para as partes recentemente conquistadas pelos castelhanos, que lançaram o seu rude colar sobre as gentes cativas do Novo Mundo. Enquanto isso, da Terra de Santa Cruz, do litoral do Brasil, o braço lusitano já carregava o tronco vermelho, o ibirapitanga dos nativos, para dele extrair as tintas para os panos de todos. Reembarcados os portugueses, partindo da Ilha dos Amores, aos adeuses no convés, velas soltas ao vento em mar tranquilo, manso, carregados de refrescos e iguarias deliciosas, navegaram então de volta à boca do Rio Tejo. Todos eles de agora em diante estavam convencidos de que os fados da Humanidade, desde que Vasco da Gama unira o Ocidente ao Oriente, não se prendiam mais a um só reino, a uma só nação ou sequer a um só hemisfério. Somente gente surda e endurecida, de testa fechada, teimosa, não reconheceria que, escancarado para sempre o Caminho das Índias, o mundo se globalizaria cada vez mais, tornando-se algo único, entrelaçado para sempre povos e continentes num destino em comum.
Ainda hoje estou rodeado dessa gente surda e endurecida.
Compilação e autoria de Chrys Chrystello para os textos não assinalados

NOTAS
1) Não nos esqueçamos que a ideia de Cruzada entrava, já então, em franca decadência, após o fracasso da Segunda, pois começava a esbarrar no espírito de saque e na ambição de alguns nobres sem escrúpulos que não hesitavam, se necessário, em comprometer o sucesso da expedição, o oposto do que se passava entre os moralizados exércitos turcos que, sob a forte liderança de Saladino acabariam por, finalmente, tomar Jerusalém em 1187.
2) É provável que, entre os aliados de Gengis Khan se encontrassem várias tribos nestorianas Kereitas, a cujo auxílio já o seu pai recorrera. Gengis chegara mesmo, na sua juventude, a ser vassalo de Toghril, o chefe daquele povo que viria, mais tarde, a receber o título de Wang-Khan (rei do povo). Embora haja quem veja neste título outra origem para o nome João, a verdade é que havia, já, vários anos que a lenda do rei-sacerdote era conhecida.
3) Suposição do autor.
4) Para estes relatos podem ter contribuído as belas igrejas talhadas na rocha mandadas construir pelo imperador Lalibala, que reinou nos princípios do século XIII. Estas igrejas, esculpidas num só bloco rochoso (incluindo todo o seu interior - naves e altares), teriam, quando iluminadas pela luz solar, um aspecto dourado que tornaria ainda maior o seu esplendor.
5) No Roteiro da Primeira Viagem de Vasco da Gama pode ler-se: "Aquele dia que o Capitão-Mor foi andar nos batéis, por junto da vila, atiraram das naus dos cristãos índios muitas bombardadas; e alevantavam as mãos quando os viam passar, dizendo todos com muita alegria: Christe! Christe!"
6) Na realidade existem muitas semelhanças entre os relatos das vidas de Krishna e de Cristo que nos levam a especular se não se tratará de algo mais que uma simples coincidência. Se não veja-se:
- Ambos terão nascido de uma virgem;
- Ambos nasceram numa gruta ou num estábulo;
- Ambos foram, enquanto crianças, alvo de tentativas de assassínio por parte de um rei cruel que ordenou uma matança de inocente;
- Ambos foram, pela mesma altura, obrigados a refugiar-se com a família num país estrangeiro;
- Ambos se transfiguraram perante os discípulos;
- Ambos perdoaram a pecadoras arrependidas que não mais os abandonaram;
- Ambos ensinaram a retribuir o mal com o bem;
- Ambos foram abandonados pelos discípulos na hora da morte;
- Ambos deram a vida pela verdade.
7) D. Estêvão enviou o seu irmão, D. Cristóvão da Gama, à frente de um pequeno exército que infligiu várias derrotas a um inimigo seis vezes mais numeroso. O bravo punhado de portugueses acabou, porém, por sucumbir à superioridade numérica dos somalis e dos seus aliados turcos, tendo sido completamente aniquilado. Capturado após ter sido ferido, D. Cristóvão foi torturado e degolado pelos seus inimigos, mas o seu auxílio foi determinante para dar ao soberano etíope tempo de reorganizar as suas forças.

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NOTAS
1) Não nos esqueçamos que a ideia de Cruzada entrava, já então, em franca decadência, após o fracasso da Segunda, pois começava a esbarrar no espírito de saque e na ambição de alguns nobres sem escrúpulos que não hesitavam, se necessário, em comprometer o sucesso da expedição, o oposto do que se passava entre os moralizados exércitos turcos que, sob a forte liderança de Saladino acabariam por, finalmente, tomar Jerusalém em 1187.
2) É provável que, entre os aliados de Gengis Khan se encontrassem várias tribos nestorianas Kereitas, a cujo auxílio já o seu pai recorrera. Gengis chegara mesmo, na sua juventude, a ser vassalo de Toghril, o chefe daquele povo que viria, mais tarde, a receber o título de Wang-Khan (rei do povo). Embora haja quem veja neste título outra origem para o nome João, a verdade é que havia, já, vários anos que a lenda do rei-sacerdote era conhecida.
3) Suposição do autor.
4) Para estes relatos podem ter contribuído as belas igrejas talhadas na rocha mandadas construir pelo imperador Lalibala, que reinou nos princípios do século XIII. Estas igrejas, esculpidas num só bloco rochoso (incluindo todo o seu interior - naves e altares), teriam, quando iluminadas pela luz solar, um aspecto dourado que tornaria ainda maior o seu esplendor.
5) No Roteiro da Primeira Viagem de Vasco da Gama pode ler-se: "Aquele dia que o Capitão-Mor foi andar nos batéis, por junto da vila, atiraram das naus dos cristãos índios muitas bombardadas; e alevantavam as mãos quando os viam passar, dizendo todos com muita alegria: Christe! Christe!"
6) Na realidade existem muitas semelhanças entre os relatos das vidas de Krishna e de Cristo que nos levam a especular se não se tratará de algo mais que uma simples coincidência. Se não veja-se:
- Ambos terão nascido de uma virgem;
- Ambos nasceram numa gruta ou num estábulo;
- Ambos foram, enquanto crianças, alvo de tentativas de assassínio por parte de um rei cruel que ordenou uma matança de inocente;
- Ambos foram, pela mesma altura, obrigados a refugiar-se com a família num país estrangeiro;
- Ambos se transfiguraram perante os discípulos;
- Ambos perdoaram a pecadoras arrependidas que não mais os abandonaram;
- Ambos ensinaram a retribuir o mal com o bem;
- Ambos foram abandonados pelos discípulos na hora da morte;
- Ambos deram a vida pela verdade.
7) D. Estêvão enviou o seu irmão, D. Cristóvão da Gama, à frente de um pequeno exército que infligiu várias derrotas a um inimigo seis vezes mais numeroso. O bravo punhado de portugueses acabou, porém, por sucumbir à superioridade numérica dos somalis e dos seus aliados turcos, tendo sido completamente aniquilado. Capturado após ter sido ferido, D. Cristóvão foi torturado e degolado pelos seus inimigos, mas o seu auxílio foi determinante para dar ao soberano etíope tempo de reorganizar as suas forças.

Fontes
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Bibliografia
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FRANCO JR., Hilário. A construção de uma utopia: o império de Preste João. Conferência proferida em 12-10-94 durante o I Simpósio Internacional de História Antiga e Medieval e VI Simpósio de História Antiga, 10 a 14 de outubro de 1994, Porto Alegre (notas pessoais).
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MOLLAT, Michel. Los Exploradores del siglo XIII al XVI — primeras miradas sobre nuevos mundos. México: Fondo de Cultura Económica, 1990.
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