Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


29-07-2021

O 25 DE ABRIL E A DIREITA


por José Manuel Correia Pinto ,professor de Direito

A direita nunca aceitou o 25 de Abril. “Aderiu” porque não tinha outra solução. Não era aquilo que eles queriam. A rara direita que antes do 25 de Abril se sentiu incomodada com a ditadura aceitaria alterações ao regime vigente que lhe concedessem um mínimo de dignidade internacional, mas que no essencial lhe não alterassem a matriz, ou seja, lhe permitissem continuar no poder, inclusive se houvesse alternância com um parceiro com mais semelhanças do que diferenças. O modelo poderia ser o da RFA num contexto muito menos traumático e portanto muito mais fácil de pôr em prática.

Com o 25 de Abril essa possibilidade gorou-se sem apelo nem agravo pelas razões sobejamente conhecidas e que aqui não vale a pena voltar a lembrar. Depois da libertação dos presos políticos, a direita logo percebeu que o 25 de Abril não lhe abria nenhuma hipótese de enveredar pelo caminho que tinha idealizado. E então acantonou-se em dois partidos, um constituído por essa tal direita que sonhou substituir o fascismo por uma direita sem as marcas mais repulsivas da ditadura, à volta daqueles nomes que haviam manifestado publicamente alguma discordância relativamente ao caminho seguido por Marcelo Caetano, mas cuja falange de apoio com que contavam era na essencial constituída na “província” por aquela gente que na União Nacional ou na sua órbita, depois chamada Acção Nacional Popular, dava corpo, alma e apoio ao Estado Novo. Gente naturalmente de direita, pouco dada a batalhas ideológicas, pouco politizada (políticos eram os que se lhes opunham), salvo os chefes locais, mas que encarava como uma anomalia ou pior ainda como corpo estranho, rejeitável, tudo aquilo que fugisse da matriz salazarista, do “viver habitualmente”, como Salazar não se cansou de explicar a António Ferro. O outro partido era essencialmente composto por gente formada, criada e preparada para fazer carreira no Estado Novo, de que os pais, os avós ou eles próprios eram os verdadeiros donos. Este partido foi criado à pressa durante a participação spinolista no 25 de Abril com a ideia claramente expressa de os “integrar” para não terem de ficar sujeitos ao que pudesse vir a ser o “julgamento" dos responsáveis e dos títeres do fascismo (ministros, deputados, membros destacados da União Nacional, governantes coloniais, legionários, pides, etc., etc.).

Durante a fase inicial do 25 de Abril, logo que as primeiras manifestações populares despontaram preanunciando uma nova era, o primeiro destes dois partidos, exibindo uma confrangedora incapacidade de perceber o que já se estava a passar, tentou dar o golpe e “integrar” o 25 de Abril na sonhada continuidade, maquilhada, do marcelismo. Como é óbvio, essa direita foi derrotada e corrida da cena política portuguesa durante vários meses, mais concretamente até ao 25 de Novembro de 1975, tendo sido substituída durante esse período por gente mais paciente e mais inteirada do que estava a acontecer. O outro partido, composto por oportunistas experimentados tanto pela sua prática anterior como por herança familiar, foi mais comedido e camaleónico esperando pacientemente a vez de entrar em cena com alguma segurança.

Mário Soares e grande parte do Partido Socialista, embora percebendo com quem estavam a lidar, compreenderam também que a hipótese de ter em Portugal, contra a esquerda e o MFA, uma força política que se lhes opusesse não conotada com o fascismo consistia em conceder a essa direita uma dignidade democrática formalmente equivalente à do Partido Socialista, fazendo dela interna e externamente o que ela nunca foi nem será: uma “direita democrática”. Na sua estratégia, Mário Soares estava confrontado com uma situação semelhante à dos americanos na Alemanha depois da derrota do regime nazi. Se os nazis, colaboradores e cúmplices do nazismo fossem todos postos de parte com quem iam eles contar, desde o topo à base, para governar a Alemanha?

Em Portugal, passou-se e continua a passar-se o mesmo. A nossa direita de então, os que se lhes seguiram e nela se integraram depois, foi a direita não democrática que “aderiu” ao 25 de Abril. A direita que não o tendo podido derrotar, extirpar ou ilegalizar, se viu obrigada a viver esquizofrenicamente durante todos estes anos sempre à espera que surja o momento da vingança e da desforra, aproveitando todas as oportunidades pequenas ou grandes para dizer ou insinuar que não tem nada a ver com “isto”.

Daí as reacções à morte de Otelo, que vão desde o pesado silêncio, passando por “um infindável “mas” que nunca ousa explicitar o sim, até à crítica mais acerba, exprimindo desse modo, com mais ou menos à vontade, o que realmente não aceitam: o 25 de Abril.

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Transcrevo  ainda uma opinião no FB, muito oportuna  de Silvestre PH Andrade  

O problema da direita é existirem tantas e tão diferentes. Há a Direita saudosista do Salazar, há a Direita do Capitalismo Americano, há a Social Democracia, o liberalismo, etc. Como se podem entender?

A esquerda teve a sorte de encontrar o António Costa, que uniu o que não era possível fazer