Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


28-09-2020

A PRESENÇA ISLÂMICA NO ALENTEJO LITORAL. UMA ABORDAGEM À LUZ DA TOPONÍMIA


?*Diogo Vivas e ??** André de Oliveira-Leitão 

* Téc. Sup. do Município de Estremoz/**Investigador do Centro de História da UL

Investigador do Centro de História da UL

 

Resumo | Sem nunca ter conhecido uma unidade do ponto de vista administrativo durante a ocupação muçulmana do ?arb al-Ândalus, certo é que a presença islâmica não deixou de se manifestar, até aos dias de hoje, na toponímia do território a que hoje chamamos Alentejo Litoral. Desde os topónimos mais conhecidos, por serem sedes de município, como Alcácer, Cacém ou Odemira, a outros relativamente mais obscuros, e apenas detectáveis com base na análise mais cuidada da micro-toponímia, subsistem ainda vestígios de uma ocupação que, do ponto de vista histórico, fica desde logo atestada pela presença na região das famílias berberes dos ban? D?nis e dos ban? Q?sim. Será, pois, nosso propósito neste trabalho, com base na análise de algumas fontes, observar a presença muçulmana na área através da persistência de alguns topónimos de origem árabe e/ou berbere.

 

1. O CONCEITO DE «ALENTEJO LITORAL» No âmbito de um Encontro de História do Alentejo Litoral, importará, primeiro que tudo, determinar da pertinência desta região como unidade de estudo para um período histórico tão remoto como seja o da ocupação muçulmana da Península Ibérica. Desde logo, há que definir claramente qual a área exacta que pretendemos designar com Alentejo Litoral. Refere-se este unicamente à estreita faixa litorânea que vai da foz do Sado à foz da ribeira de Odeceixe (limite efectivo entre o concelho litoral alentejano de Odemira e o algarvio de Aljezur), ou, em alternativa, à foz do rio Mira (que, como veremos adiante, embora partindo sensivelmente ao meio o concelho de Odemira, marca uma fronteira física entre a planície alentejana e a serra algarvia), sendo limitado a nascente pelas serras de Grândola e do Cercal e a poente pelo Atlântico? Ou devemos entendê-lo num contexto mais * Téc. Sup. do Município de Estremoz/Investigador do Centro de História da UL **Investigador do Centro de História da UL | 221 alargado, deslocando o seu limite oriental das citadas serras para o curso do Sado? Ou, por fim, atendendo a um critério puramente político-administrativo, devemos inferir que este abrange o espaço dos cinco concelhos que possuem costa no litoral alentejano, mas onde quatro deles (Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Odemira) se prolongam significativamente pelo interior? Do ponto de vista político, este Alentejo Litoral continua ainda hoje repartido entre os distritos de Setúbal (que abrange cerca de dois terços do espaço em causa) e Beja (cobrindo o terço restante). Mesmo a nova estrutura político-administrativa que se está a desenhar – de grandes áreas metropolitanas e de comunidades urbanas – integra todo este espaço num outro mais vasto, o da Comunidade Urbana do Baixo Alentejo, com sede em Beja, e que retoma a designação e os contornos da antiga província do mesmo nome, criada – pelo menos no papel, ainda que sem atribuições concretas definidas – por reforma administrativa promovida pelo Estado Novo, em 1936. De facto, o conceito de Alentejo Litoral, plasmado em realidade territorial, é relativamente recente, surgindo apenas na década de 1980, no quadro do ingresso de Portugal na então CEE, e que ditou a divisão do país em unidades territoriais para fins estatísticos – as NUTS (as quais, porém, não têm quaisquer atribuições administrativas1 ). Do ponto de vista estritamente geográfico, vale também a pena lembrar que o Alentejo Litoral é uma não-existência – bastaria recordar os trabalhos de Hermann Lautensach ou de Orlando Ribeiro (dois dos mais reputados geógrafos estudiosos do Portugal físico e humano no século passado2 ), sendo que em ambos se nota uma grande continuidade da região do Alentejo, desde o litoral até à vasta planície central, sem que as já citadas serras de Grândola e do Cercal constituam um óbice a essa unidade – um mapa hipsométrico do espaço alentejano não assinala praticamente nenhum acidente do terreno, excepção feita à serra de São Mamede, no seu extremo nordeste. De facto, mesmo tendo em conta a estrutura morfológica do espaço (alternando entre os terrenos xistosos nas serras e a bacia sedimentar do Sado), são mais as continuidades do que as diferenças entre Alentejo Litoral e Alentejo Interior. Mais ainda, ambos os geógrafos amputam a metade meridional do concelho de Odemira (a Sul do rio Mira), integrando-a antes no contexto da serra algarvia, da qual constitui, de facto, o seu prolongamento natural. Ora, não tendo existência geográfica autonomizada face ao resto do Alentejo, e estando repartido administrativamente entre dois distritos, impõe-se a pergunta: importa estudar o Alentejo Litoral enquanto unidade territorial sob o domínio muçulmano, há mais de oito séculos? Existiu alguma vez essa unidade no período em causa? Os dados de que dispomos levam-nos a invalidar tal hipótese: o Alentejo Litoral, enquanto parte do Ocidente Extremo do Ândalus (em ár., ?arb al-Aq?? 3 ), era um espaço ultra-periférico, relativamente pouco povoado (talvez por pouco atractivo4 ), enquadrado dentro de uma outra periferia (que era o ?arb alÂndalus5 ), a qual por sua vez constituía também um espaço excêntrico, se considerado a partir de Córdova (a sede do emirato e, depois, califado peninsular), e ainda mais periférico se se encarar o conjunto do Ândalus a partir do mundo muçulmano oriental, isto é, da Damasco omíada, da Bagdade abássida ou do Cairo fatímida6 . Além disso, achava-se fraccionado em duas kuw?r, al-Qa?r (controlando o espaço a Norte) e B??? (a Sul) – uma divisão que, arriscamo-nos a dizer, parece quase atávica, subsistindo ao longo dos séculos até hoje, reflectida na actual divisão distrital. Mesmo no Portugal do Antigo Regime, o espaço que consideramos litoral alentejano repartiu-se entre as comarcas da Estremadura e de Odiana (Alentejo), depois entre as correições de Setúbal e de Beja e, mais tarde ainda, entre Setúbal, Beja e Campo de Ourique (muito embora tivesse tido, ao menos durante um breve período de tempo, um denominador comum: a sua quase total inclusão nos domínios da Ordem Militar de Santiago7 ); mesmo após a implantação do regime liberal, a parte do Alentejo actualmente pertencente ao distrito de Setúbal integrou a província da Estremadura, ao longo de várias das reformas administrativas levadas a cabo ao longo do século XIX

 

leia este interessante estudo em  

https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/45014/1/A_presenca_islamica_no_Alentejo_Litoral..pdf