Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


24-03-2021

OS VIVOS E OS OUTROS - José Eduardo Agualusa aborda confinamento em novo livro de ficção


TEXTO VALENTINE HEROLD

01 DE MARÇO DE 2021

Agualusa ambientou 'Os vivos e os outros' na Ilha de Moçambique, com enredo em torno de um encontro literário

Agualusa ambientou 'Os vivos e os outros' na Ilha de Moçambique, com enredo em torno de um encontro literário

FOTO DIVULGAÇÃO

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[conteúdo na íntegra | ed. 243 | março de 2021] 

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Quando terminou de escrever Os vivos e os outros, José Eduardo Agualusa não imaginava que estaria, poucos meses depois, vivenciando uma experiência similar à de seus personagens. Era novembro de 2019 e o premiado escritor angolano (Independent Foreign Fiction Prize por O vendedor de passados e Prêmio Literário Internacional Impac de Dublin por Teoria geral do esquecimento, entre outros) finalizava este que é seu 15º romance, recém-lançado em Portugal, pela Quetzal Editores, e, no Brasil, pela Planeta de Livros, através do selo Tusquets. Entre fevereiro e março do ano seguinte, o mundo parou em decorrência da pandemia do novo coronavírus, o lema passou a ser o do #fiqueemcasa, as fronteiras entre os países foram fechadas e a sensação era de um medo apocalíptico jamais vivenciado pelas presentes gerações, beirando os relatos ficcionais sobre o fim do mundo. 

Seriam as semelhanças entre o universo cativante de Agualusa e a dura realidade de 2020 mais um exemplo da potência profetizadora da arte? Difícil aqui – em se tratando de um autor cujas narrativas são sempre um tanto quanto mágicas e que eleva a linguagem a um patamar inteligentemente simples e rebuscado – ser meramente racional. Há um componente fantástico inegável, a começar pela cidade que acolhe o livro, ela também um personagem. 

O romance se passa na Ilha de Moçambique, território localizado no norte do país e considerado, desde 1991, Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco. O próprio Agualusa encontrou morada na cidade, há cerca de quatro anos, e divide com seus seguidores do Instagram lindas imagens do lugar. Um festival literário – o primeiro da ilha – está prestes a acontecer e tudo começa justamente com a chegada dos escritores, vindos não só de Moçambique como de diversos outros países africanos, e segue por uma semana, tendo seus capítulos divididos do primeiro ao sétimo dia. O tempo de celebração pelos reencontros e descontração é interrompido já no primeiro dia, com o aparente começo do fim, “a noite rasgando-se num enorme clarão, e a ilha separando-se do mundo. Um tempo terminando, um outro começando”.

Os moradores da ilha e os convidados do festival se veem então isolados do resto do mundo, sem sinal de telefone, sem acesso à internet. Até o contato com o continente se torna inexistente, uma vez que nuvens pesadas e tempestades bloqueiam o acesso à ponte, enquanto o clima da ilha permanece ensolarado e aberto. Quem está à frente da organização do evento é o escritor e ex-jornalista Daniel Benchimol e a artista Moira Fernandes, casal já conhecido dos leitores de A sociedade dos sonhadores involuntários, livro lançado por Agualusa em 2017. Se a primeira narrativa marcava o encontro entre o angolano e a moçambicana na África do Sul e o começo da paixão, enquanto Daniel se aventurava na busca pelos mistérios da linha tênue entre sonho e realidade, agora eles residem na Ilha de Moçambique e estão à espera de um bebê. A não ser pelo fato de ser um excelente livro, não há necessidade de ter lido A sociedade dos sonhadores involuntários para mergulhar no universo de Os vivos e os outros, já que não se trata de uma continuação.