Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


07-05-2021

O pintor morreu, mas vive a “cartografia do desejo”:Julião Sarmento (1948-2021) era um artista!


“Se as pessoas não têm curiosidade pelas coisas, se não ficam fascinadas por aquilo que é misterioso, o que é que resta?”, Julião Sarmento 10.11.2018

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Julião Sarmento (1948-2021),era pintor, fotógrafo, cineasta ou videógrafo, escultor, colecionador e era um artista!

“Tate Gallery, MoMA, Beaubourg, Guggenheim, Reina Sofia... Estou em todos os que me interessam”, disse ele nesta entrevista de vida à Ana Soromenho, para a revista do Expresso, em janeiro de 2016. Mas pintor não, talvez fosse melhor escrever pintor “também”, ou “sobretudo” pintor, que Julião Sarmento (1948-2021) era muito mais do que isso, como se não fosse já muito. Ele era pois pintor, fotógrafo, cineasta ou videógrafo (como se diz?), escultor, colecionador, mais coisas ainda, era um artista, “o” artista mais internacional, famoso, reconhecido, e definir artistas assim, em meia dúzia de linhas, uma vida artística inteira, cinquenta anos ou mais a criar, é um resumo redutor que nenhuma vida merece, muito menos a dele, porque não se resumem os artistas assim. A não ser por obrigação, que nós jornalistas por dever profissional somos obrigados a resumir, seja por economia de espaço, limitações de tempo, ou atenção à paciência do leitor. O traço aqui é mais grosso que o fio do lápis dele nos desenhos das mulheres.

Ora aí está, o tempo, esse modelador das pressas, e que na mesma entrevista Julião Sarmento classificava como um elemento natural para a conquista do seu espaço. É claro que os artistas são vaidosos, mas ele dizia ter sido o que foi pela natureza das coisas: “A páginas tantas, as pessoas conquistam o seu próprio lugar à custa do tempo”, confessava. Mas mesmo o conceito de “próprio lugar” é muito próprio, pois cada um tem o seu, é de distribuição universal, mais acima ou mais abaixo, e ele, até morrer esta terça-feira, teve o lugar que alcançou. Está nos principais museus e coleções de arte contemporânea, está no reconhecimento dos pares. Restará agora saber o lugar que terá no próximo tempo, o da posteridade, aquele que começa a contar no dia em que os artistas morrem. “Não me preocupa o sucesso, só me interessa o sistema da imortalidade e fazer um trabalho que me sobreviva”, disse ao “Público” em 2012. Sobreviverá com certeza.

Mas se esta entrevista de vida é um daqueles momentos para o leitor chegar mais perto e quase tocar no artista, este obituário do jornalista e crítico do Expresso Celso Martins enquadra obra e vida com o título sugestivo: “O labirinto do desejo”. E remete para o erotismo de grande parte da sua obra, um texto que termina com duas palavras que compõem o título deste Curto - uma “cartografia do desejo” -, um erotismo que ele justificava assim à Ana Soromenho: “Mais uma coisa a que não consigo responder. Talvez porque sempre gostei de olhar para as mulheres”. Tão simples. “Depende da maneira como se olha”.
 

Marcelo Rebelo de Sousa, que a certa altura chegou a ter pretensões de colecionar arte, fez uma nota de condolências pelo “mais internacional” dos artistas portugueses, sublinhando a sua “modernidade provocante”. E o Expresso lembra aqui neste vídeo a capa que Julião Sarmento concebeu, ao lado do Marco Grieco (o nosso diretor gráfico) em 2013, nos 40 anos do jornal, para a revista - e que virou literalmente ao contrário.