Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


14-06-2021

Memória - Carta aberta aos representantes dos poderes Executivo e Legislativo de Itabira sobre o atual estado do Arquivo Público Municipal de Itabira


 

Itabira, 14 de junho de 2021.

Caros Senhores Representantes do Poder Público Municipal,

Escrevo a vocês, em conjunto, autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo Municipal, representantes eleitos pelo povo de Itabira, como cidadã, historiadora e pesquisadora itabirana. Pretendo, nas linhas que se seguem, informá-los a respeito do estado em que se encontra atualmente o Arquivo Público Municipal de Itabira, na expectativa de que esse contato gere bons frutos para a resolução do problema.

Na primeira semana do mês de junho, estive em Itabira para dar continuidade à pesquisa na documentação referente aos Documentos da Câmara Municipal de Itabira, no período do século XIX, como parte fundamental de meu trabalho de Doutoramento de História, pela Universidade Federal de Ouro Preto. Fui muito bem atendida pelos funcionários Rafael e Emerenciana, que se mostraram bastante prestativos e solícitos a me acompanhar durante todo o período em que estive no APMI.

Documentos históricos estão se deteriorando, em local impróprio. Arquivo Histórico de Itabira precisa de um espaço próprio, arejado e de fácil acesso (Fotos: Maura Britto e Mauro Moura)

Desde minha graduação em História, na década de 2000, pesquiso sobre o século XIX itabirano e o universo dos artífices do ferro, tão marcante em nossa história.

Em função de minha carreira acadêmica, estive em pesquisa no APMI nas últimas duas décadas e pude acompanhar pessoalmente a maneira como o acervo documental vem sendo tratado pelo poder público, gestão a gestão municipal.

E é com muita tristeza que aponto aos senhores o descaso em que o APMI se encontra em junho de 2021.

Creio que o último trabalho extensivo de identificação, catalogação, conservação e restauração do acervo se deu na década de 2000, se não estou enganada, sob a gestão de Maria José Pandolfi e Terezinha Incerti no Museu de Itabira. O projeto teve a coordenação da historiadora Mariza Guerra.

De lá pra cá, o acervo recebeu, em algumas gestões mais que em outras, apenas higienização temporária, medidas paliativas de conservação.

E atualmente, não se acha nem mesmo em sede própria.  Lembro-me que, durante a reforma do prédio do Museu de Itabira, todo acervo documental ficou alocado na Casa de Drummond, por um período. Cheguei a pesquisar nesse período, por volta de 2010, 2011.

Logo após, a documentação, que deveria retornar ao Museu de Itabira, foi acondicionada em instalações, então provisórias, no espaço da Antiga Prefeitura, no bairro Pará, onde também tive acesso às fontes, entre 2017 e 2018.

A sensação que tive ao retornar à pesquisa na última semana, é que uma solução provisória se tornou permanente, sem que o espaço tenha a mínima estrutura para abrigar não apenas um acervo tão valioso, como para ser sede de um Arquivo Histórico.

A documentação que guarda nossa história está depositada em um almoxarifado úmido, que fica fechado a maior parte do tempo, sem funcionários com formação específica para atuarem no tratamento do acervo. Os vestígios da nossa história se encontram em meio a um pátio de veículos e obras que em nada valorizam a importância que o APMI tem para a cidade.

O espaço não tem ventilação adequada, e por não ficar aberto constantemente, o acervo documental acha-se atualmente sem nenhum tratamento preventivo de higienização e conservação, exposto à agentes biológicos de deterioração e, até mesmo, a riscos de ocorrer um incêndio acidental, dado o abandono em que se encontra. Um dano irreversível para a preservação da história local.

O APMI deveria estar sediado no centro histórico, aberto ao público, com um corpo efetivo de funcionários responsáveis pelo seu tratamento e conservação (historiador, arquivista, museólogo e restaurador). Há uma documentação riquíssima, grande parte inédita, que precisa ser melhor catalogada e disponibilizada à pesquisa.

É urgente que seja implementada uma política séria e permanente de tratamento do acervo documental, com inserção de profissionais especializados no corpo de funcionários efetivos da Prefeitura Municipal de Itabira. Somente assim, a preservação da nossa história não ficará à mercê de decisões políticas que tem a duração dos mandatos do Poder Executivo Municipal.

Itabira deveria ter uma Secretaria de Cultura independente, através da qual se poderia criar um Fundo da Cultura, no qual toda verba de ICMS cultural arrecadada pela cidade seria depositado. E essa verba carimbada poderia ser utilizada na manutenção do APMI, que teria então, feições e funções de um arquivo histórico. O que não se verifica no presente momento. Cidades como Ouro Preto, Mariana, que também sediam arquivos históricos importantíssimos para a história de Minas, atuam dessa forma.

Outra alternativa seria a busca de parcerias e convênios com outras instituições que possam atuar como mantenedoras, como poderiam fazê-lo, por exemplo, a Vale e a Unifei. A cidade precisa receber contrapartida de tudo o que propicia a empresas que atuam no município. A manutenção do APMI seria uma contrapartida necessária e simbólica para a Cidade do Ferro, que precisa saber mais sobre os homens e mulheres, de carne, osso e alma que a construíram ao longo dos séculos passados.

Esse relato que faço a vossas senhorias, também o fiz, por vias institucionais, através dos e-mails do Gabinete da Prefeitura e de cada um dos vereadores da Câmara Municipal. Assim como também entrei em contato, através do email da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, com o Deputado Estadual Bernardo Mucida.

Escrevo a todos vocês, representantes do Poder Público, com a esperança de que algo seja feito a respeito, de acordo com o que cabe a cada esfera: que a Prefeitura de Itabira implemente com a urgência necessária uma política permanente de tratamento e preservação do acervo documental do APMI, e que a Câmara Municipal exerça seu papel de agente fiscalizador das ações do poder público.

Espero que essa questão não se perca em debates políticos infrutíferos, com o intuito  de atribuir problemas às gestões passadas, permanecendo inertes em relação ao que pode e deve ser feito hoje. E que a gestão atual se prontifique a solucionar o problema no presente. Também me disponho a colaborar no que estiver ao meu alcance. A nossa história vale muito para continuar esquecida e ignorada como está. Itabira merece mais!

Cordialmente,

Maura Silveira Gonçalves de Britto

Doutoranda e Mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto

Especialista em Cultura e Arte Barroca pela Universidade Federal de Ouro Preto

Técnica em Conservação e Restauração de Bens Móveis pela Fundação de Arte de Ouro Preto

http://www.viladeutopia.com.br/carta-aberta-aos-representantes-dos-poderes-executivo-e-legislativo-de-itabira-sobre-o-atual-estado-do-arquivo-publico-municipal-de-itabira/#comment-92872