Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


20-05-2007

Festa do Espírito Santo em Santa Catarina


Lélia Pereira da Silva Nunes
Importante página da história do povoamento do Sul do Brasil foi escrita pela gente simples, sofrida e corajosa do Arquipélago dos Açores – “os açorianos” que a 21 de Outubro de 1747 deixaram o porto de Angra, na Ilha Terceira, atravessaram o Atlântico e trouxeram às terras de Santa Catarina conhecimento, técnicas, usos e costumes, valores, sonhos e esperança.. Eram oriundos de todas as Ilhas. No entanto, o maior número de alistamentos foram de casais provenientes da Ilha de São Jorge, seguida pelas Ilhas da Graciosa, Pico, Terceira, Faial, e pela de São Miguel.
Ao final da grande diáspora (1748 – 1756) marcada por sofrimentos, descasos e promessas não cumpridas, um contingente humano significativo , cerca de seis mil, estava fixado em oito pontos do litoral catarinense: Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora das Necessidades e Santo Antonio, Nossas Senhora do Desterro (hoje, Florianópolis) – na Ilha de Santa Catarina, e nossa Senhora do Rosário da Enseada de Brito, São José da Terra Firme. São Miguel da Terra Firme, Sant’Ana e Vila Nova e Santo Antônio dos Anjos da Laguna – no continente
Os açorianos entrelaçaram fios na grande renda da vida e com outros povos teceram a história de Santa Catarina, contribuindo para a formação da sociedade catarinense e de um povo forte, trabalhador, empreendedor e tolerante.
Uma história social ímpar cujo legado venceu o tempo, perpassou gerações e hoje retrata a alma, o sentir, o fazer, o imaginário, o jeito de ser e estar de nossa gente.
Duzentos e cinqüenta e seis anos depois, pode-se afirmar que um relevante patrimônio cultural expresso e retratado por traços sobreviventes de uma longínqua matriz açoriana está presente em todo o litoral de Santa Catarina, sendo que a maior referência é o culto em Louvor ao Espírito Santo. Identificada como a Festa Tradicional Religiosa de maior expressão em, aproximadamente, cinqüenta municípios da orla catarinense e na capital Florianópolis, na Ilha Santa Catarina. Sua manifestação apresenta peculiaridades reveladas na diversidade de celebrar o Espírito Santo em cada localidade onde se realiza o festejo. No entanto, são iguais na sua essência, no seu aspecto nuclear, na mensagem emblemática, na simbologia e na sua finalidade.
A bandeira, a coroa,o cetro, a salva, o imperador, a imperatriz, a corte, a coroação, a procissão do séqüito imperial, as novenas, as missas,os mordomos,os festeiros, as promessas, as massas sovadas, os pãezinhos do Espírito Santo, as cantorias, os foliões, os fogos de artifício e os folguedos integram a simbologia e a representação externa da celebração do culto ao Divino, revelando práticas coletivas de conteúdo simbólico e subjetivo, num ritual longo e pomposo, misto de religioso, profano e folclórico.
Vinculadas ao calendário litúrgico da Igreja Católica, as Festas do Espírito Santo apresentam uma certa autonomia na sua organização e realização nas localidades onde existem as Irmandades do Espírito Santo. No entanto, onde não se registra a presença das referidas Irmandades, a ação da Igreja é sentida fortemente no controle e na interferência direta dos párocos e padres na organização, no ritual e na programação dos festejos.
A Festa com seus símbolos e rituais apresenta partes bem definidas e articuladas entre si, a saber: conjunto de cerimônias religiosas, ritos sacro-profanos, folguedos populares e o périplo da bandeira do Divino no período que antecede a Festa, bem como sua presença emblemática em todas as cerimônias como uma referência simbólica para o povo que a reverencia com fé e devoção.
É a Bandeira juntamente com a Coroa de prata lavrada, insígnia principal de um conjunto formado por Cetro de prata (encimado por uma pomba) e Salva, também de prata, onde ficam depositados a Coroa e o Cetro que compreendem os símbolos centrais da Festa e em torno dos quais gravitam todos os rituais de louvor ao Divino. A mística da Festa é o Espírito Santo, o Divino Paráclito, representado por uma pombinha branca tanto na visão litúrgica católica e cristã quanto na interpretação popular e presente em todas as referências e alfaias da festividade.
O Casal Imperador (Mordomos ou Festeiros) e a Corte Imperial constituem os atores principais das cerimônias e festejos em louvor ao Espírito Santo. A Corte Imperial, formada por Imperador, Imperatriz (crianças ou adolescentes) e um conjunto de seis a oito pares de crianças que desempenham o papel de damas e pajens, todos ricamente vestidos em trajes de época, reproduzem a tradição secular em que a Rainha Isabel de Aragão, mulher do Rei Dom Dinis de Portugal, instituiu o culto do Espírito Santo.
Sua celebração ritualística tradicional concentra-se fundamentalmente, na Sexta-feira, no Sábado e no Domingo.
Na sexta-feira ao anoitecer, o pároco, provedor da Irmandade e irmãos, autoridades e convidados, acompanhados de uma Banda Musical, vão buscar o Casal Imperador e a Corte Imperial para participarem do ato litúrgico da Missa. O trajeto é percorrido lentamente, sob os acordes da Banda Musical e os aplausos da população. À frente as porta-bandeiras vão abrindo caminho, sendo inúmeras vezes interrompidas por fiéis que beijam a bandeira e suas inúmeras fita multicoloridas. Ao chegar na Igreja, o Casal Imperador deposita a Coroa e o Cetro no altar, numa oferenda ao Espírito Santo, recebendo-a de volta ao término da missa. Após, a celebração litúrgica, o Casal Imperador e a Corte Imperial são conduzidos em procissão para o “Império” ou local ornamentado que representa os antigos Impérios – construções de planta quadrangular, de uma só peça e de pequena dimensão, tendo por aberturas uma porta fronteiriça e janelas nas laterais e frontal triangular encimado por um dos símbolos do Espírito Santo- a pomba ou a coroa – e o registro da data de sua elevação. Singelas e bonitas construções, os Impérios ficavam junto à Igreja e eram abertos durante a celebração de Pentecostes e da Trindade. Aos poucos foram desaparecendo e hoje algumas localidades como Ribeirão da Ilha, Campeche, Trindade e Lagoa da Conceição, na Ilha de Santa Catarina e nas cidades de São José, Jaguaruna e Mirim ainda conservam os Impérios dentro da sua finalidade. Testemunhos de uma herança que, por via da diáspora,chegaram aqui. Sobreviventes de uma manifestação, alimentada e enriquecida a cada ano pelo povo que a promove com devoção e louvor.
Junto às cerimônias religiosas acontecem os folguedos populares, com cantorias e folias do Divino, apresentações folclóricas, tocatas, quermesses, shows musicais,bailes e queima de fogos de artifício.
O ritual de sexta-feira repete-se no sábado à noite, domingo pela manhã e à tarde, quando é proclamado o Casal Imperador que presidirá as festividades do ano seguinte, encerrando o Ciclo do Divino,de muitos meses de planejamento e organização. No entanto, é o domingo de Pentecostes (na maioria das comunidades) o ponto culminante de toda a Festa, quando acontece a missa solene de coroação. Um dos momentos mais sublimes, onde a emoção perpassa envolvendo a todos num clima de profunda religiosidade, fé ao Divino Paráclito e de fraternidade cristã. Durante toda a celebração, com entoação de hinos em louvor ao Espírito Santo, Te-Deum, homilia ao Evangelho e a solene coroação do Imperador (menino ou adolescente),sente-se à intensidade da crença e a força da cultura ancestral que se mantém viva na memória de nossa gente.
No cenário da tocante cerimônia da coroação do Imperador, por um breve instante, desaparecem as marcas do tempo, as distantes geografias, ficam o cá e o lá  transformados em “nossa”- nossas Ilhas e nossa história comum. Separados no tempo e no espaço, juntos no coração e no louvor ao Divino Espírito Santo.
Lélia Pereira da Silva Nunes
Florianópolis – Ilha de Santa Catarina

Fonte: www.adiaspora.com/_port/educa/trabalho/lelianunes.htm