Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


10-06-2007

Memórias de um outro Dez de Junho


Ângela Carrascalão              

Nos tempos do Timor Português, os dias decorriam muito iguais. As noites eram diferentes. Havia festas particulares, bailes no Benfica e no Sporting, coremetan de que se ouvia a música do violino (quando o havia. ) ou o ritmo menos audível mas nem por isso menos excitante do garfo a bater na garrafa, tudo pretextando o saracoteio animado dos corpos "até ao raiar do sol".
Tónico vivificante da "alma do Império", conceito necessário para a perpetuação da crença "Portugal do Minho a Timor", recordado dia após dia nas emissões da Emissora Nacional captadas na "província portuguesa " de Timor com imenso ruído, passava em tom pausado a mensagem de que "Portugal não é um país pequeno: é grande o seu Mundo e maior a sua Alma!" .
A "cerimónia da bandeira" constituía ponto alto do desfraldar das nossas convicções, nós, intrinsecamente portugueses, povo, alma, mundo e bandeira!
A cerimónia do arrear da bandeira em fim de tarde de domingo reunia imensa gente defronte do jardim do largo Infante D. Henrique que assistia em silêncio respeitoso, lábio tremeluzente de comoção e olhar perdido na distância, quiçá em busca da alma simbolizada na bandeira portuguesa.
Nós, os deste lado do que se cria ser o Mundo português, na nossa costumeira e tradicional formalidade, gostávamos dos cerimoniais solenes de que são exemplo as paradas militares em que desfilavam, a par do exército português, os moradores dos vários concelhos vestidos tradicionalmente, alguns deles fazendo soar as trombetas feitas de corno de búfalo, e a cavalaria do Régulo D. Gaspar Nunes de Maubara.
Sempre que chegava alguém muito importante da "Metrópole", o que acontecia muiiii.to de vez em quando, era certo que havia festa e o povo descia à cidade.
É preciso que se diga que a festa (ou o seu organizador) não alimentava ninguém; a alma - a Alma do Império - não se alimenta de comida! E o corpo prefere-se ágil. Ligeiro.
Não havia comida nem bebida mas havia animação, o suficiente para quebrar a monotonia.
O Dez de Junho era vivido com intensidade. Corridas de cavalos, paradas, recepções formais para as entidades oficiais e feira para todos.
Para a feira do Dez de Junho, que também pretendia ser uma mostra cultural, cada concelho trazia as suas danças tradicionais e o que de melhor produzia e que era pouco, é verdade. Mas era a oportunidade para se conhecer o artesanato timorense, como, por exemplo, os barros de Manatuto, os tais de toda a "província" e a cestaria de Maubara que enchiam o olho pela alacridade das cores.
Ouvia-se muita música popular ( na altura ninguém falava de música pimba) e, durante os três dias da feira ninguém se lembrava senão de que Timor era luz, era cor, era alegria.
Inebriados o corpo e a alma por mais uma dose tonificante que a Mãe Pátria devotadamente dava ao longínquo Timor, parcela "querida" pelo amor das suas gentes à bandeira das quinas - talvez por isso podendo ser tão esquecida! - , quem iria lembrar-se do bizarro, surreal sentido do "Dia da Raça" que vivíamos tão intensa e convictamente em cada Dez de Junho?
Qual raça? Havia seguramente quem se questionasse, não faltando os que se lembravam porque estavam conscientes do que tudo não passava de "folclore". Mas, até esses, tinham de esconder , lá bem no recôndito de si, o que pensavam, sem se permitirem o luxo de exteriorizar o que ia nas suas almas timorenses.
Era forçoso não manifestar displicência mas prudente concordância e discreto assentir de que tudo ia bem no Império. porque "Portugal não é um país pequeno: é grande o seu Mundo e maior a sua Alma!" .

Ângela Carrascalão              Domingo, Junho 10, 2007 | 

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MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuadamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soia.
Luis de Camões

P.S. E um bom dia de Camões para si que tão bem e subtilmente escreve a língua de Luis Camões.
José Martins

 

                                                 
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